Demissão de servidores e o fim de direitos, como incorporações salariais e licença-prêmio, estão entre os principais pontos da reforma administrativa proposta pelo governo federal, que mexe substancialmente no serviço público brasileiro. E, por isso, é alvo de críticas de parte da oposição e de entidades salariais, como a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que, em conjunto com outras organizações, realizará nesta quarta-feira, 30, a partir das 14h, uma carreata pela cidade para protestar contra as mudanças.
A concentração será na Avenida Roraima, na entrada do Campus da UFSM. De lá, a caravana de veículos deve percorrer vilas e bairros de Santa Maria na tentativa de mobilizar a população contra a reforma proposta, que, segundo a Sedufsm, pretende “destruir o serviço público”. O protesto da entidade docente faz parte do Dia Nacional de Luta contra a Reforma Administrativa, previsto para ser realizado em todo o país.
Em nível local, o ato é organizado por uma frente sindical de servidores públicos municipais, estaduais e federais, integrada pela Sedufsm. Devido à pandemia de Covid-19, a manifestação ficará restrita à carreata para evitar aglomerações. Os sindicatos de servidores também instalarão outdoors em Santa Maria, Frederico Westphalen, Palmeira das Missões e São Vicente do Sul. No total, serão cinco outdoors, dois deles em Santa Maria.
No dia 26, a Sedufsm deu início à campanha “Proteja o que é seu. Defenda o serviço público. Contra a Reforma Administrativa”. Em manifesto, a entidade critica a proposta governista: “…A tão propagandeada reforma administrativa, formulada pelo ´posto Ipiranga´, Paulo Guedes, e chancelada pelo presidente da República e vários partidos que o apoiam, é um golpe sem luvas em todos os direitos sociais que com muita luta conquistamos e formalizamos na Constituição de 1988. O fim da estabilidade no serviço público, longe de combater supostos privilégios, abre caminho para o fortalecimento de situações de corrupção e demais condutas criminosas, facilitando, também, situações de assédio e perseguição política”, diz um trecho do manifesto.
Sob o argumento de combater privilégios e de melhorar as contas públicas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encaminhou em 3 de setembro Proposta de Emenda Constitucional (PEC) à Câmara dos Deputados para mudar a Constituição e implementar essas novas regras. O argumento contrário, no entanto, é que as novas regras tornarão mais precários os serviços à população brasileira. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, se aprovada sem alterações, a proposta do governo garantirá uma economia de R$ 300 bilhões para os cofres públicos em um período de 10 anos.
O caminho para mudar a Constituição
A aprovação da reforma administrativa não é uma tarefa simples para o governo. No caso da PEC, as regras terão que ser aprovadas em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional (Câmara e Senado), sendo necessários votos favoráveis de três quintos dos deputados e dos senadores. Só na Câmara serão necessários 308 votos favoráveis dos 513 deputados.
A proposta atinge servidores em geral do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, mas não vale para parlamentares, magistrados e ministros de tribunais superiores, que têm estatutos próprios de carreira. O presidente da República não pode propor normas de organização dos demais Poderes. Essa possibilidade depende de iniciativa dos presidentes do Judiciário e do Legislativo ou de alteração da PEC durante sua tramitação no Congresso. (Com informações da Sedufsm, da Agência Senado e da Agência Brasil)
Mudanças propostas
Veja os principais pontos da reforma administrativa proposta pelo governo federal:
QUEM É ATINGIDO
- Vale para servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas da federação: União, estados e municípios
- Só valerá para quem ingressar no setor público a partir da promulgação da Emenda Constitucional
- Para os atuais servidores não muda nada. Continuam com seus direitos atuais garantidos e sua remuneração
- Não vale para os chamados membros de Poder: parlamentares, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, promotores e procuradores. O governo alegou que haveria vício de iniciativa e não poderia propor mudanças para tais tipos de agentes públicos pertencentes a outros Poderes. Também não vale para militares
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
- Para os servidores ocupantes de carreiras típicas de Estado, é vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, incluída a acumulação de cargos públicos. A exceção está somente no exercício da docência e atividades regulamentadas na área de saúde
- Para os demais servidores, é autorizada a acumulação remunerada de cargos públicos, quando houver compatibilidade de horários e não houver conflito de interesse
ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO
- Também chamado de anuênio, aumenta o salário do servidor em 1% por ano. No governo federal já tinha sido extinto. Agora, não será permitido também nas outras esferas
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA
- Fica extinta tal medida aplicada como espécie de punição ao servidor
AUMENTO SALARIAL RETROATIVO
- Fica proibida a concessão de reajustes salariais retroativos
CARGOS DE CONFIANÇA
- Os cargos comissionados, conhecidos como cargos de confiança ou CCs, e funções gratificadas, as FGs, serão gradativamente extintos para dar lugar aos novos cargos de liderança e assessoramento
- Uma parte dos cargos de liderança e assessoramento será ocupada mediante seleção simplificada
- Os cargos estratégicos dos níveis mais altos da administração, como o de secretários, bem como os de assessoramento, serão de livre nomeação e exoneração. Para esses, a seleção simplificada não é requisito obrigatório. (ver em “Vínculos”)
CARREIRAS DE ESTADO
- São compostas de servidores que exercem atividades exclusivamente públicas e que são finalísticas, indispensáveis para a existência ou representação do Estado. Compõem o núcleo duro do Estado. Futuramente, o governo apresentará uma proposta legislativa para delimitar taxativamente tais carreiras. (ver em “Estabilidade”)
CONCURSOS
- Segundo o governo, continuarão sendo a principal forma de entrada no serviço público
- Haverá também um novo modelo de seleção simplificada para cargos de liderança e assessoramento
ESTABILIDADE
- Para os atuais servidores nada muda. Como diz a Constituição, só é possível demiti-los em três hipóteses: processo administrativo disciplinar (PAD); por decisão judicial transitada em julgado; por insuficiência de desempenho (o que ainda não foi regulamentado)
- A partir da PEC, haverá duas situações distintas. 1 – Para ocupantes de carreira de Estado: por processo administrativo disciplinar (PAD); por decisão judicial transitada em julgado ou por decisão colegiada; por insuficiência de desempenho (que será finalmente regulamentada na próxima fase da reforma). 2 – Os demais (para os que têm vínculo por tempo indeterminado): haverá a possibilidade de demissão em outras hipóteses previstas em lei a ser aprovada pelo Congresso
- O governo garante que nenhum servidor será desligado por critérios arbitrários ou preferências político-partidárias, independentemente de seu vínculo. Além disso, informa que decisões relacionadas ao desligamento serão colegiadas, isto é, que não sejam tomadas somente por uma pessoa
AS FASES DA REFORMA
A intenção do governo é fazer a reforma administrativa em três fases: 1- PEC 32/2020: Novo regime de vínculos, alteração organizacional da administração pública e fim imediato de alguns benefícios
2 –Projetos e projetos de lei complementar serão apresentados para tratar de gestão de desempenho, diretrizes de carreiras e cargos, funções e gratificações
3 Será apresentado o Projeto de Lei Complementar do Novo Serviço Público tratando de direitos e deveres, estrutura remuneratória e organização. das carreiras
FÉRIAS
- Nenhum servidor poderá ter férias com mais de 30 dias de duração. Em alguns estados, há contagem de férias em dias úteis, por exemplo, o que alonga o período de ausência do servidor de seu posto de trabalho
INCORPORAÇÃO
- Servidores não poderão mais incorporar ao salário valores referentes ao exercício temporário de cargos e funções
LICENÇA-CAPACITAÇÃO
- Tal modalidade de afastamento está mantida para os atuais e futuros servidores
LICENÇA-PRÊMIO
- Dá ao servidor três meses de licença a cada cinco anos de trabalho. Já havia sido encerrada em âmbito federal. Será totalmente extinta
LIBERDADE AOS GOVERNANTES
- A PEC altera o artigo 84 da Constituição para dar mais liberdade para o chefe do Executivo mexer no desenho da administração pública para que possa extinguir órgãos e entidades, como ministérios, autarquias e fundações, sem a necessidade de projeto de lei. Ou seja, prevê que o presidente da República tenha mais autonomia na gestão da estrutura do Executivo Federal, desde que isso não implique em aumento de despesa, nem na interrupção ou não cumprimento dos serviços prestados
- A criação de órgãos ou entidades ou a transformação que implique aumento de despesa continuará dependendo de aprovação pelo Legislativo
MAU DESEMPENHO
- Já existe previsão legal na Constituição para desligamento do servidor, mas o tema nunca foi regulamentado. Agora o governo promete enviar posteriormente ao Congresso a regulamentação
ORÇAMENTO
- Sobre a possibilidade de demissão quando o país estiver em crise econômica ou recessão, a PEC não trata do tema. O governo já encaminhou para o Congresso Nacional a PEC Emergencial (PEC 186/2019), que prevê algumas medidas de racionalização, incluindo, em último caso, a possibilidade de desligar um percentual de servidores, a partir de critérios técnicos e objetivos a serem definidos em lei
PARCELAS INDENIZATÓRIAS
- Fica proibido o pagamento de qualquer tipo de parcela indenizatória ou algo semelhante com outra denominação sem previsão legal. Ou seja, a administração não pode criar os chamados penduricalhos por conta própria
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
- Acrescenta novos princípios constitucionais da administração pública ao artigo 37 da Constituição:
- Legalidade
- Impessoalidade
- Imparcialidade
- Moralidade
- Publicidade
- Transparência
- Inovação
- Responsabilidade
- Unidade
- Coordenação
- Boa governança pública
- Eficiência
- Subsidiariedade
PROGRESSÃO OU PROMOÇÃO
- Fica proibida a progressão ou promoção baseada somente no tempo de serviço
REDUÇÃO DE JORNADA E SALÁRIO
- Fica proibida a redução de jornada sem a consequente redução de salário, exceto por motivo de saúde
- É vedada a redução da jornada e da remuneração para os cargos típicos de Estado
TRANSIÇÃO DE UM MODELO PARA O OUTRO
A transição do modelo atual para o novo levará tempo. Como não está previsto alterar os vínculos ou carreiras dos atuais servidores, os dois modelos (antigo e novo) deverão conviver lado a lado durante um período
NOVOS VÍNCULOS
- A proposta do governo cria cinco novos vínculos jurídicos em substituição ao atual Regime Jurídico Único (RJU). São eles:
1 – por prazo determinado
2 – por cargo de liderança e assessoramento
3 – por tempo indeterminado (via concurso público)
4 – por cargo típico de Estado (via concurso público)
5 – de experiência (via concurso público)
- O vínculo de experiência será uma espécie de alternativa ao atual estágio probatório, sendo mais uma etapa do concurso público. Somente os mais bem avaliados no fim do vínculo serão investidos no cargo
Fonte: Agência Senado