Paralelo 29

DIOMAR KONRAD: Crônica – A Abstenção

DIOMAR KONRAD

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No meio político estudantil já havia, é claro, o fenômeno da abstenção, mas era raro. O normal é que as pessoas tivessem opiniões. Na hora de votar em uma proposta, as que se apresentavam tinham que ser muito ruins para provocar o fenômeno.

Em discussões sobre algum assunto de maior envergadura, optar pela abstenção era quase um sacrilégio. O sujeito ficava literalmente desacreditado.

Para quem usava da estratégia para não desagradar ninguém, o efeito era justamente o contrário: passava a ser escorraçado por todos os lados.

Procurando um termo que defina o ato, as palavras mais próximas que encontrei foram: abstêmio (pessoa que não ingere bebidas alcoólicas); celibato (pessoa que não realiza atos sexuais – por vontade própria, viu, não por rejeição dos outros); absenteísmo (pessoa que falta ao trabalho – mas por conta de doenças, não por preguiça ou insatisfação); abstinência (ação de privar ou renunciar a alguma coisa (por diversos motivos); continência (autodomínio, contenção); abstento (quem desiste de uma herança ou é excluído de funções eclesiásticas).

DIOMAR KONRAD – Crônica: A experiência

Assim, por não ter nome que a defina, talvez esta categoria de pessoas ainda não tenha encontrado seu lugar na história, mas seus efeitos são visíveis, como foi comprovado nas últimas eleições e no ENEM.

Não imagino, por exemplo, pessoas desta natureza se reunindo para organizar um movimento próprio, o dos abstencionistas, elaborando princípios para defender a necessidade de não ter opinião.

Não seria de sua natureza promover manifestações, elaborar panfletos e incentivar os outros a aderir. Até porque seria contraditório querer incentivar os outros a não emitir opiniões já que costumam se abster.

Se no tempo das verdades históricas, abster-se era um ato considerado indigno, atualmente, na chamada pós-modernidade, pode ser considerado um fenômeno relevante para estudos sociológicos.

DIOMAR KONRAD – Crônica: Máscaras

O difícil será encontrar pessoas dispostas a colaborar na pesquisa, pois tudo indica que não irão participar. Ou melhor, vão se abster.

Já estou até imaginando livros escritos nas mais diversas áreas sobre o assunto: “pais que se abstêm, filhos que tomam conta”; “abstenção na política: que não tem opinião é quem realmente decide”;  “abstenção no casamento: a falta de participação como condição da separação”. “abstenção e coronavírus: nova fase do movimento em tempos de distanciamento social”. “me abstive e daí, estou no meu direito de não concordar com nada”;

Também fiquei imaginando se esta categoria de pessoas começa a tomar conta do mercado de trabalho.

Os jornais não teriam mais editoriais. Programas de televisão ficariam sem comentaristas. Os laudos periciais terminariam assim: “não conseguimos chegar a uma conclusão definitiva”. Não se fariam mais orçamentos e a resposta seria do tipo: “só fazendo para ver quanto vai dar”.

DIOMAR KONRAD – Crônica: O endividado

Aquela garantia de que o conserto vai dar certo iria por água abaixo. Amigos na balada não diriam mais se você deve ou não ficar com a pessoa pretendida. No restaurante, facilitaria o serviço dos garçons: “traga o que tiver que está bom”. E seria a falência definitiva dos institutos de pesquisa.

Diante da importância do tema, não tive como me abster e deixar de falar no assunto.

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