Paralelo 29

FABRÍCIO SILVEIRA – OPINIÃO: O eterno retorno do fascismo (III)

FABRÍCIO SILVEIRA

Professor universitário, pós-doutorando em Comunicação

Na primeira metade da década de 1970, a filósofa norte-americana Susan Sontag (1933-2004) escreveu um ensaio memorável sobre a estética nazista.

Esse texto – intitulado “Fascinante fascismo” – foi incluído na coletânea Sob o Signo de Saturno, lançado no Brasil em 1986 pela editora LP&M.

A autora se dedica ali a examinar duas exposições fotográficas, volta-se aos catálogos referentes a cada uma delas: SS Regalia, sobre as insígnias e os uniformes militares das tropas alemãs, trajes de cortes finíssimos e caimento irretocável, e Os Últimos Nuba, uma série de imagens captadas pela cineasta Leni Riefensthal (1902-2003) numa missão etnográfica que realizara, anos antes, no Sudão.

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Ainda que a expressão “estética nazista” seja problemática – por soar exagerada, por criar uma especificação talvez imprópria ou imprecisa –, o ensaio descreve tais fotografias e constrói, a partir delas, uma reflexão muito perspicaz sobre as relações entre estética e política, de um lado.

E, de outro, de forma mais singularizada, sobre as estratégias de embelezamento que encobriram (e respaldaram) os horrores do nacional-socialismo alemão.

O nome de Leni Riefensthal recebe particular destaque. Sontag reconstrói passagens de sua biografia – de amiga íntima de Adolf Hitler e Joseph Goebbels a artista “desnazistificada”, com a trajetória de vida reescrita – e nos dá uma síntese estilística e temática de sua obra.

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A cinematografia de Riefensthal – bem como as imagens fotográficas que produziu na velhice – teria plasmado um conjunto de valores e sentimentos protofascistas.

Os primeiros filmes que dirigiu ou nos quais atuou giravam recorrentemente em torno do alpinismo.

Eram épicos alpinos, com protagonistas heróicos dedicados a grandes feitos. Narravam escaladas gloriosas e eram – a princípio, ao menos – aventuras apolíticas.

Para Sontag, no entanto, perfazem uma metáfora perfeita, “visualmente irresistível, para uma aspiração ilimitada em direção à elevada meta mística, tão bela quanto aterradora, que mais tarde se concretizou na adoração ao Führer” (p. 61).

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Riefensthal assinou também, no curso dos anos 1930, a direção de documentários que celebravam os Congressos do Partido Nacional-Socialista.

O que se obtinha em todos esses filmes – o mesmo que se obteve, mais tarde, a partir de 1960, entre os Nuba africanos – era uma estética grandiloquente, viril e “tensamente romântica”, de louvor à força física, que contrastava o puro e o impuro, a desordem às cadências e às estruturas ordenadas, que se preocupava com “situações de controle”, de “esforço extravagante” e “resistência à dor”. “A arte fascista”, Sontag argumentava, “exalta a irracionalidade e torna a morte fascinante” (p. 73).

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O assunto é complexo demais para ser enfrentado aqui em poucas linhas. Cabe salientar que Riefensthal, de todo modo, pauta questões inestimáveis sobre a arte instrumentalizada pela propaganda político-partidária e sobre os artifícios do cinema documental enquanto mascaramento (e/ou produção diretiva) da verdade histórica.

SS Regalia, por seu turno, desloca a discussão da estética para o campo do erotismo, mantendo-se, apesar disso, num mesmo cenário de pulsões inconscientes, vertentes de emoção e apelos não-racionais.

Os uniformes e as indumentárias nazistas – expostos na mostra fotográfica debatida – transformaram-se em objetos de culto, verdadeiros fetiches e objetos do desejo. Produz-se uma fantasia generalizada em torno deles, a autora nos esclarece.

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A estética nazista seria tanto lasciva quanto idealizante, ela conclui. Implicaria um erotismo ideal, no qual a sexualidade e a perversão sexual (as fantasias de posse, domínio e subjugação, por exemplo) seriam capazes de se transmutar numa força “espiritual” em benefício do vínculo comunitário.

A certa altura, Sontag nos repassa duas perguntas difíceis. Por que razões, afinal de contas, os índices de uma sociedade tão sexualmente repressiva se erotizaram tanto?

Como pode um regime que tão abertamente perseguiu homossexuais ter se tornado uma excitação tão marcada e tão generalizadamente gay?

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