Falar de lugares é falar de memórias afetivas. É falar de prédios, construções, praças e, também, de coisas vivas.
É falar de árvores, de flores e de gente. E é isso que a jornalista Melina Guterres, a poeta Mel Inquieta propõe em cinco poemas e uma crônica.
Mel escreveu os poemas e a crônica em momentos distintos e os selecionou para os leitores do Paralelo 29.
Ruínas, por exemplo, foi escrito em maio de 2019 para o lançamento do Coletivo Memória Ativa, que tem como objetivo preservar o patrimônio histórico de Santa Maria.
Quem quiser conhecer mais a produção poética, literária e jornalística de Melina Guterres é só seguir Mel Inquieta no Instagram.
Também se liga na Rede Sina, plataforma de conteúdo fundada e administrada por ela.
MEL INQUIETA: Três poemas e um manifesto em tempos covidianos
De um lugar qualquer às ruas da Vila Madalena
Essa caminhada (ou voo) por lugares começa em um lugar qualquer, incerto e não sabido, onde a poeta transpira, transborda e transfere.
A primeira parada é São Paulo, cidade onde Mel morou por duas vezes. Em uma crônica, ela fala de uma São Paulo de antes da pandemia, quando era possível aglomerar (para usar uma palavra de agora) na Praça Pôr-do-Sol,
Passeia também pelas ruas da Vila Madelena com seus lírios e encantos, pelo Parque Villa Lobos e pelo Ato de Pinheiros, onde as raízes de árvores invadem as calçadas.
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Sob olhares de Netuno e das ninfas
Após percorrer lugares bucólicos e barulhentos da maior cidade da América Latina, Mel desembarca (ou aterrissa) em Cachoeira do Sul para subir e descer as escadas do Chateu da Praça Matriz sob olhares do deus Netuno e das ninfas do Chateau d´Eau.
Lá, nesse lugar encantado, a poeta descreve uma Cachoeira de emoções na qual pode sentir “a mão firme do avô, aquele que gerenciou por anos suas águas”. E pode segurar as mãos doces da avó, dos pais, tios, do irmão e de uma amiga.
O poema dedicado a Cachoeira do Sul jorra emoções em lembranças de infância que indicam mais outro lugar, o lugar seguinte.
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Nas ruínas do passado
E esse lugar é nada menos que Santa Maria, lugar onde Mel mora atualmente e desenvolve seu trabalho como jornalista.
No poema “Ruínas”, a poeta faz uma viagem que começa pela fundação da chamada Cidade Cultura em uma teia de críticas sobre o descaso com o patrimônio público de Santa Maria.
Da Gare da Estação, a poesia vai passeando pela Avenida Rio Branco e outros lugares desse lugar que representou um ciclo de Santa Maria.
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Encontro com personagens e uma crítica ao abandono
E vai encontrando, nesse percurso, personagens, como uma “senhorinha” que revisita os seus tempos de juventude e do casamento na Catedral Metropolitana, que na época era Diocesana.
“Tudo vira ruínas, nosso passado, nossa história, nosso tempo, nossas memórias…Num tijolo em queda…Até quando vamos deixar nossa identidade virar pó?”, questiona o poema.
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Na chegada ao quintal uma homenagem ao pai
Esse passeio por memórias e afetos termina em um quintal, no quintal de casa, com uma homenagem que a poeta faz ao pai, o professor Clovis Guterres.
“Curva-te para limpar o quintal como se fizesse referência à própria diplomacia em mais de 70 anos de vida. E na curva de tão ignorada humildade, saíste nobre guerreiro, professor”, encerra a poeta, concluindo uma longa viagem (ou voo) marcada por encantos e desencantos. Mas, sobretudo, pela delicadeza, às vezes ásperas, das palavras.
LUGAR
Meu lugar é onde
Transpiro
Transbordo
Transfiro
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HOJE É ANIVERSÁRIO DE SÃO PAULO!
Saudades de ver os lírios em árvores nas ruas da Vila Madalena, de caminhar por Alto de Pinheiros, ver as raízes das árvores tomando às calçadas, bater palmas no final da tarde na Praça do Pôr-do-sol, das avenidas com ciclovias e muitas árvores, do parque Villa Lobos.
Do sarau Sopa de Letrinhas no Clube do Julinho e suas maravilhosas rodas de samba, da diversidade e da qualidade musical também em uma jam no fim de noite no Porão do Cândido, do samba do Ó do Borogodó, da poesia e jazz nas terças no Nossa Casa, tomar sopa de madrugada na padaria 24h, Villa Grano.
Concurso literário em SM dará R$ 15 mil em prêmios
De transitar pelas feirinhas, caminhar no Beco do Batman e ficar observando seus grafites, de ter o Instituto Tomie Ohtake há poucos metros de casa, e tantas galerias numa mesma quadra.
De me perder procurando mercado e acabar numa roda de chorinho. Sair para caminhar e acabar chorando no final de uma peça de teatro.
Das surpreendentes peças, da inesquecível noite com 6h de espetáculo no Teatro Oficina, das noites culturais da casa da Tânia, da música e cenários da Lu Grecco, dos cinemas alternativos.
Concurso fotográfico de SM oferece R$ 15 mil em prêmios
Ler, tomar café e fazer reuniões na Livraria da Vila e na Avenida Paulista visitar a Casa das Rosas em dia de sarau e tantos outros espaços culturais.
Participar das manifestações necessárias com tanta gente bacana e politizada que sempre iniciavam no MASP, das aulas na USP, das aulas da Fátima Toledo, dos cursos e bons encontros no B_arco.
Ah.. São Paulo! Poderia virar a 0h escrevendo, mas antes que acabe o dia, Feliz aniversário!
Que tudo isso passe logo para um dia voltar a te encontrar!
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CACHOEIRA DO SUL
Nas escadas do Chateau da Praça da Matriz
Pude sentir a mão firme de meu avô (aquele que gerenciou por anos suas águas),
a mão doce e segura de minha avó,
a de meus pais, tios,
a pequenina mão do meu irmão,
a de uma amiga
Todos sentimos um pouco o respingar das aģuas que jorravam de suas estátuas
Lembro até hoje de seus peixes dourados.
E da tartaruga que havia na casa de meus avós.
Como era delicioso visitar-te
Passear por suas praças
LUDWIG LARRÉ – Crônica: “Passos do Vislumbre”
Fazer aquela travessia entre patrimônio e afeto.
Uma necessidade,
Um acaso me levaram de volta,
Te vejo preservada
Com as cores da minha história
Num prédio antigo,
Uma senhora me aguarda,
Bate uma foto do meu rosto
E no olhar de quem recorda
Velhas memórias
Uma nova Identidade
Foi gerada.
Ah Cachoeira,
Obrigada.
SABRINA SIQUEIRA – Opinião: Nísia Floresta, feminista e moralista
RUÍNAS
‘Se essa rua, se essa rua fosse minha..
Eu mandava ladrilhar com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes para o meu amor passar. Nessa rua tem um bosque que se chama solidão…” NÃO!
Hoje não tem poema
Tive um lapso com o tempo
Fui lá ao final de 1700
Quando aqui
Ainda era apenas
um acampamento
Arte e inovação dão o tom a novos programas da Rede Sina
17 de maio de 1858
Nascia a cidade Santa Maria
De lá pra cá
Ferrovia
Vila Belga
Universidade…
Universidades..
Quanta história se faz?
Quantos passos se dão nas ruas de Santa Maria?
EDINARA LEÃO – Conto: Bonecas de pano e de pele
Mas o que me inquieta
São as memórias de uma senhorinha
Sua juventude foi divertida
Nas festas de um casarão
Que até capela dentro havia…
Hoje nem ruínas…
Já um professor aposentado
Num olhar nostálgico pela Catedral da Avenida Rio Branco
me dizia:
“Aqui me casei há 55 anos”
Pude ver por um instante
Ele com a sua noiva entrando
Há mais de meio século pisando
No mesmo chão que tocava a sola dos meus sapatos.
Como diz o padre Ênio:
LARRÉ – Crônica: Um gato vadio, o mago e Raul Seixas
Tem patrimônio que não tem preço.
Tá escuro, tá escuro aqui dentro
Sem a luz do conhecimento
Tudo vira ruínas
Nosso passado
Nossa história
Nosso tempo
Nossas memórias
Num tijolo em queda
Em queda,
Em queda,
Em queda…
Até quando vamos deixar nossa identidade virar pó?
Essa rua, essa rua ela é nossa
Vamos todos ensinar a preservar
O patrimônio, o patrimônio e a história
Para a memória, a memória ativar
FABRÍCIO SILVEIRA – Opinião: O avesso do bom senso
O QUINTAL
Curva-te para limpar o quintal
Como se fizesse referência
À própria diplomacia que exerceu
Em mais de 70 anos de vida
E na curva da tão ignorada humildade
Saíste nobre guerreiro, professor
Teu mergulho nos livros
LUDWIG LARRÉ – Crônica: Teteza
Foi transmitindo a tantos
Que hoje se referenciam em ti
Enquanto tuas mãos
Ainda que assoladas pela idade e a rigiidez do parkison
Tentam escrever
Sobre o sentido da vida,
Tua mente já exclama
Sobre não morrermos cópias
O sol se põe diante
Da tuas costas em curva
A árvore da vida
Faz sombra para
Teu anos de luta
SABRINA SIQUEIRA : Santa-mariense lança seu primeiro romance
As plantas
Sempre germinam no teu quintal
Que hoje se curva
Em gratidão
Por olhar tão
Profundamente
E carregar nas mãos
Os brotos
Do teu chão