Paralelo 29

SILNEI SCHARTEN SOARES: Games, mídia e Saudades (Parte III)

Foto: Tokio Game Show/Divulgação

O que games nos revelam sobre nós mesmos (e o que a cobertura da mídia sobre a chacina em creche na cidade de Saudades tem a ver com isso)

Apresentei alguns benefícios dos games inspirado na minha própria experiência como jogador.

Vou complementar agora com as conclusões da pesquisa desenvolvida por Steven Johnson, crítico cultural norte americano.

No livro “Tudo que é ruim é bom para você. Como os games e a TV nos tornam mais inteligentes”[1], ele investiga os ganhos cognitivos, psicológicos e comportamentais produzidos pela cultura pop nos últimos 20 anos (35, se considerarmos o tempo entre o lançamento do livro e os dias que correm).

Essa abordagem nos ajuda a ver com menos preconceito a eventual experiência de Fabiano, autor da chacina na cidade de Saudades (SC), com os “jogos violentos” que ele jogava durante “muito tempo no quarto”.

SILNEI SCHARTEN SOARES: Games, mídia e Saudades (II)

Johnson desafia o senso comum ao fazer a defesa dos games como ferramenta cognitiva.Ele retira o foco do conteúdo das narrativas para se concentrar na exigência dos games sobre nosso intelecto.

Essa abordagem considera irrelevante o fato de um game ter cenas de violência ou de teor sexual.

Johnson alega que o que um game nos mostra é menos importante do que aquilo que ele exige de nós em termos de atenção, memória e raciocínio.

Esta é a razão pela qual adultos se tornam fãs de “As aventuras de Zelda”, por exemplo. Trata-se de um game que mistura ação & aventura, resolução de quebra cabeças e elementos de RPG num mundo de fantasia que parece saído de um conto de fadas infantil. Mesmo assim, nenhum adulto se sente infantilizado.

Foto: Reprodução

O que importa são os desafios, as estratégias, as descobertas – o jogo, enfim, no sentido pleno da palavra.

SILNEI SCHARTEN SOARES: Games, mídia e Saudades (I)

Para Johnson, um game é um instrumento que aumenta nossa inteligência. E o faz de diversas maneiras. Uma delas é o que ele chama de “busca”.

O que um gamer busca num jogo é ser recompensado pelas vitórias que obtém ao longo da jornada.

O sistema de recompensa do cérebro humano é gerenciado por um neurotransmissor chamado dopamina.

O que eleva as taxas de dopamina no cérebro é justamente a exploração, a procura por novidades, o impulso pela descoberta.

Foto: Tânia Rêgo, Agência Brasil

A cada vitória alcançada, o sistema neuronal reage aumentando a taxa de dopamina no cérebro.

A sensação produzida é a de ter sido recompensado pelo sucesso obtido. Para conseguir uma nova dose, é necessário continuar explorando o jogo.

Essa exploração exige do cérebro que exercite suas capacidades cognitivas: atenção, memória, tomada de decisões, raciocínio lógico, projeção de metas, intuição.

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O objetivo dos jogadores raramente é aprender lições de vida, tal como as que nos ensinam o cinema e a literatura. O que ele deseja é ser recompensado pelas vitórias alcançadas.

Essa busca realiza-se por meio de dois procedimentos: a sondagem e a telescopia. Já falei da sondagem anteriormente, quando me referi à curiosidade que um jogo é capaz de despertar.

Um game nos convida à exploração de seus ambientes, mas, também, de suas regras.

Ao contrário dos jogos off line, um game de computador não deixa explícitas todas as suas regras de funcionamento já no início da partida.

Essas regras precisam ser desvendadas pelo jogador à medida que ele avança pelo sistema do jogo. A cada regra desvendada, o jogador sente seus esforços recompensados.

A telescopia se refere ao exercício de sustentar na mente objetivos com diferentes dimensões temporais.

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Por um lado, o objetivo imediato, como atravessar um rio infestado de piranhas, por exemplo. Por outro, a meta a longo prazo: chegar ao posto de fronteira com a mensagem a ser entregue ao comando.

Enquanto resolve o primeiro desafio, um jogador não perde de vista seu objetivo final. Como num telescópio, os objetivos perseguidos por um jogador se expandem a partir de si próprios, ampliando-se à medida que o jogo progride.

Quando jogamos, incrementamos nossa capacidade de tomar decisões locais, imediatas, sem perder de vista estratégias de longo prazo.

Sondagem e telescopia, juntas, são responsáveis pelo que Johnson chama de gratificação adiada. Ao contrário do que se costuma pensar, um game não traz satisfação imediata.

Essa é uma acusação frequente que se faz aos jogos por parte de quem não os conhece (e, provavelmente, nunca jogou uma partida sequer).

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É uma crítica tipicamente conteudista, que espera dos games o que eles nunca se propuseram a oferecer, como lições de vida, por exemplo. Um game não faz isto – ao menos, não do jeito tradicional.

Foto: Agência Brasil, Arquivo

Do ponto de vista do conteúdo, um jogo não é um guia moral, uma cartilha sobre o que devemos pensar e como deve ser nosso comportamento em sociedade. Um game não nos diz o que devemos pensar, mas estimula regiões de cérebro responsáveis pela maneira como pensamos.

Johnson recorre a James Dewey, filósofo e educador norte americano, para dizer que, no balanço geral, o que um game faz é promover o aprendizado colateral. São valores e atitudes que, no contexto do ensino formal, vão além do conteúdo das disciplinas curriculares.

Esse aprendizado nos diz como o mundo funciona e de que maneira podemos nos engajar em interações sociais saudáveis. Então, sim: no fim das contas, um game nos ensina lições de vida.

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Mas não faz isso nos dizendo em que devemos acreditar, e, sim, nos ensinando maneiras novas e complexas de refletir sobre o que pensamos e como nossa mente funciona enquanto fazemos isso.

Um game nos ensina a explorar o mundo e a nós mesmos, com curiosidade, assombro, sede de aprendizagem e joie de vivre.


[1] Publicado no Brasil pela editora Jorge Zahar. Há mais uma edição brasileira, com outra tradução, publicada pela editora Campus. O título é “Surpreendente! A TV e o videogame nos tornam mais inteligentes”.

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