Paralelo 29

JOÃO EICHBAUM: Gente do futebol (II)

JOÃO EICHBAUM

Advogado e escritor

Quando a gente é criança, as instituições não parecem a coisa mais importante. Importantes a gente considera as criaturas que as representam.

Pouco se nos dava que a Cooperativa fosse dona do restaurante da estação, dos vagões restaurantes, daquele imenso armazém de secos e molhados, da farmácia, das secções dos armarinhos, dos tecidos, dos calçados, do depósito, do açougue, da fábrica de sabão, da alfaiataria, etc.

Bem mais fraca ficou em nossa lembrança a suntuosidade do restaurante do que a pessoa do Bira, que o representava, andando de ponta a ponta da gare, com uma bandeja de madeira a lhe descer dos ombros, apregoando com voz estridente: “balas e pastilhas e hortelã pimenta”!

EICHBAUM: Gente do futebol

Na secção de secos e molhados da Cooperativa a pessoa do Ataliba era mais importante do que sua função, porque aos nossos olhos ele se sobressaía como lateral esquerdo do Guarani.

O Floriano, funcionário da administração, marcava menos por sua elegância, impecável dentro de ternos de casimira ou de linho, do que por sua posição, como lateral direito do Riograndense.

No açougue, o senhor João Amaral, homem de semblante fechado, de pouco riso: era o árbitro mais rigoroso da Liga Santamariense de Futebol.

Na farmácia, o atendimento ficava a cargo do Vica, goleiro reserva do Jaú, seu vizinho no trabalho, que empilhava sacos de arroz, feijão, milho, farinha, açúcar, no depósito, ao lado da farmácia.

EICHBAUM: O sonho desfeito

Jaú! O melhor goleiro que o futebol de Santa Maria conheceu. Naquele tempo, quando o goleiro valia mais por sua agilidade do que pelo tamanho, Jaú foi um gigante, quase imbatível.

Não sendo alto, jogava debaixo da trave, mas voava de canto a canto, pulava como um gato e, mais ágil do que o pensamento dos atacantes, roubava-lhes a bola rasteira, na entrada da grande área, antes que eles armassem o chute. Revelou-se no Guarani. De lá foi para o Riograndense.

O Cruzeiro de Porto Alegre veio buscá-lo. Mas, no curso dos negócios, os acasos que constroem tragédias lhe obstaram o caminho da glória: Jaú se suicidou. “Por questões amorosas” dizia, economizando palavras, a notícia do “Correio do Povo”.

 
 
 

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