EDINARA LEÃO
Escritora e doutora em Literatura
Maria sacolejava os ecos da vida quando a mão de um animal cravou-lhe a agonia de um sonho. Maria passou a ver a alma – dos outros e a sua. A sua, particularmente, interessava-lhe, era branca.
Ela era anda-luz virgem, virgem de alma. Inabitada. Seu corpo já havia sido abanado pelas mãos dos homens. Os homens – pobres coitados!, mentem amar e a vida corre-lhes pelas mãos. Maria não!
Entregava-se inteira (inteiro corpo). A alma não. Tinha dó. Dó de entregar a alma – parece, ninguém merecia.
EDINARA LEÃO: Tecendo palavras em quatro poemas
O animal enxertou-lhe um sonho de homem na alma, e Maria, sem corpo, ansiava. Homem sem nome do sonho do animal de unhas lancinantes. Algoz, ele deu alma, “animus” e construiu-lhe um corpo alma.
Confundiu Maria que seria o corpo e o sonho fez Maria ceder, sem saber que ele era alma.
A composição se refazia: o homem atava panos brancos em volta do corpo de Maria – e desatava os pés.
Dois poemas e uma crônica na voz de Edinara Leão
Então o corpo virava leite e o homem bebia. Novamente bebia. Bebia todos os dias. E assim roubou-lhe a alma travestida de corpo.
Era impossível disputar. Já não havia solidão, já não havia alma. E Maria também não havia. Maria sentia saudade de ser Maria.
Resolveu tecer nova vida. Contudo, os fios eram de ilusão, quanto mais Maria tecia, mais desfiava. Nada acontecia.
E Maria passou a outra dimensão. Mente sem alma. Só esqueceram de apagar o coração de Maria, que ainda tinha ganas de amar, só já não podia entregar a alma.
EDINARA LEÃO – Conto: Bonecas de pano e de pele
E, na outra dimensão que passava a habitar não havia corpo. Só imagens. O inexpressivo, o nada. Fragmentos perdidos em estágio de sonho. Réstias.
Não havia mais nem corpo nem lençol, nem leite, nem nada. Nem Maria. Que agora havia atingido o estágio de sopro.
Surrealismo talvez. Maria inventou…