Paralelo 29

FABRÍCIO SILVEIRA: Guerra híbrida – pelo controle da máquina do Estado

FABRÍCIO SILVEIRA

Professor universitário e pós-doutorando em Comunicação

O termo “guerra híbrida” aparece – entre nós, civis – desde o início da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro.

Em 2018 já era possível nos depararmos, em nossas redes sociais, com esse curioso conceito proveniente do campo da inteligência militar.

Pessoalmente, lembro-me que escrevi algo a respeito entre o primeiro e o segundo turnos da última eleição para presidente da República.

Em síntese, a expressão refere a uma modalidade de conflito bélico em que os tanques na rua e o embate armado são substituídos por operações mais sutis, de caráter psicológico, informacional e legal – ou tudo isso, muitas vezes, ocorrendo em simultâneo, num grande e poderoso arranjo. Fala-se em “bomba semiótica”, por exemplo.

Embora sejam sutis, tais ações, entretanto, não deixam de ser eficazes. Aliás, são mais efetivas porque são mais sutis. São mais difíceis de apreender. São subliminares.

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Logo, mais difíceis de localizar e combater. É custoso, inclusive, descrever tais processos, dar-lhes a materialidade necessária para analisá-los.

Ato pró-bolsonaro no Rio, em maio deste ano/Foto: Fernando Frazão, Agência Brasil

Andrew Korybko e Richard Szafranski são apenas alguns dos autores que têm publicado sobre o assunto.

Segundo eles, há outros equivalentes terminológicos. Por exemplo: “guerra neocortical”, “guerra assimétrica” ou “guerra cognitiva-cismogenética”.

Tais variações denotam a existência não só de um campo conceitual, onde há um longo debate em curso, mas também a diversidade de aspectos e caracterizações com que o fenômeno, em concreto, se apresenta, como se merecesse, de fato, uma tipologia ampla e melhor detalhada.

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No Brasil, o antropólogo Piero Leirner é alguém que já estudou o tema.

No livro O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida. Militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica (Ed. Alameda, 2020), Leirner alega ter se deparado com o conceito, pela primeira vez, por volta de 2013, em suas pesquisas de campo com famílias, missões e ambientes militares.

Não à toa, esse é o período das chamadas “jornadas de junho”. Tais jornadas – assim como outras “revoluções coloridas” mundo afora, na Turquia, na Espanha, na Inglaterra, na Grécia – assentaram as bases para uma cadeia de fatos e consequências, no caso brasileiro, visceralmente interrelacionados: o impeachment de Dilma Rousseff, a Operação Lava Jato e a eleição de Jair Messias Bolsonaro.

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Entre nós, a guerra híbrida – uma nova forma de disputa pelo controle da máquina do Estado – pôs-se em marcha.

Foto: Reprodução Youtube

Dois outros gatilhos reconhecíveis dizem respeito à Comissão da Verdade e à atuação do juiz Joaquim Barbosa no episódio do Mensalão.

As próprias intervenções do astrólogo Olavo de Carvalho nas mídias digitais (mas não só aí) também concorreram para que um tipo muito particular de guerra híbrida fosse implementada em território tupiniquim.

E, agora, aqui estamos. O cenário no qual hoje vivemos é o cenário de uma desacreditação generalizada das instituições da República – uma desacreditação produzida a partir de dentro –, de uma hiperpolitização de todas as instâncias da vida em sociedade, da compreensão da política como crime (e vice-versa) e como dialética amigo x inimigo (ou comunista x anticomunista – ou, para acentuarmos ainda mais as cores locais, petista x antipetista).

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Ou seja: o Brasil se tornou um caso paradigmático – a verdadeira aplicação de uma cartilha.

Além de “guerra híbrida”, no mesmo campo semântico, dentro do mesmo dispositivo teórico, outras noções mereceriam vir à tona, auxiliando-nos a compreender o difícil impasse em que hoje nos vemos metidos: false flags, guerra psicológica de espectro total (GPET), criptografia, cortina de fumaça, estratégia de abordagem indireta, proxy war, viés de confirmação, teatro de operações, limited hangout, escalada horizontal, hegemonia, consórcio, inimigo interno, inversões e cognição. E por aí vai.

Mais importante do que esclarecer cada uma dessas noções, entretanto, é observar o curso dos acontecimentos, colocar-se ao lado dos bons, preservar os vínculos de solidariedade, a ampliação de perspectivas, a saúde psíquica e as garantias dadas pela carta constitucional.

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