JOÃO EICHBAUM
Advogado e escritor
Viajar de trem! Deitar os olhos sobre a imensidão dos campos, que o comboio cortava, e dar com eles naquele encontro enganoso do céu com a terra, chamado horizonte! Aprender lições de mansidão com o gado que pastava, indiferente aos silvos agudos da locomotiva!
Perguntar a mim mesmo se aquele boi solitário, desenxabido, que ruminava, estaria pensando em alguma coisa, olhando para o trem sem mover a cabeça, como se não o estivesse vendo!
JOÃO EICHBAUM: Gente do futebol (III)
Contemplar, distraidamente, sem pensar em nada, os fios do telégrafo que, acompanhando os trilhos, subiam e desciam! Ver bandos de pássaros alvoroçados levantar voo na direção dos bustos do campo, as coxilhas, fugindo da fumaça e das fagulhas que a locomotiva expelia!
Viajar de trem! Ter a sorte de contemplar por alguns instantes, nas curvas, a coreografia fascinante das rodas da locomotiva, ao som daquela música de uma nota só, provocada por seu peso sobre as emendas dos trilhos!
JOÃO EICHBAUM: Gente do futebol (II)
Viajar de trem! Sentir, nos corredores dos vagões, a ginga do comboio, cadenciada pela mesma música de uma nota só, e pelo ranger dos engates de um vagão no outro. Ouvir gente rindo alto, contando histórias, ou roncando, com a cabeça recostada na janela!
Viajar de trem, como aquele rapaz de calça preta, combinando com a gravata borboleta da mesma cor, em saliente contraste com a camisa e o paletó brancos, que surgia na porta do vagão, como um prestidigitador.
EICHBAUM: Gente do futebol
A mão direita livre para torcer a maçaneta da porta, mas o braço esquerdo equilibrando no punho duas taças de café fumegante, enquanto a palma da mão sustentava um prato de sanduíches: o garçon.
Sim, eu queria viajar de trem! Viajar de trem como garçon, fazendo parte daquele espetáculo de ferros, paisagens, e criaturas com jeitos de viver e destinos diferentes. Não era um sonho. Era um plano. O sonho era acariciar alguém, sem as mãos recendendo a graxa e a fumaça.