LUDWIG LARRÉ
Jornalista
A Biblioteca Pública do Estado, em Porto Alegre, aquele prédio histórico majestoso da esquina da Riachuelo com a ladeira da General Câmara – dos sebos e do chopp no Tuim –, em diagonal aos fundos do Theatro São Pedro, abre, a partir desta semana e até final de agosto, a exposição “Simões & Cia.: os 120 anos do cigarro Marca Diabo”.
O empreendimento no ramo tabageiro foi uma das várias aventuras empresariais de João Simões Lopes Neto (1865-1916), um dos pais fundadores da literatura gaúcha.
A exposição, com curadoria de Cláudia Antunes, jornalista, pesquisadora e servidora da Biblioteca, reúne itens de tabacaria do século XIX, que dialogam com o acervo da produção literária de Simões Lopes Neto.
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A instalação também exibe o documentário “Diavolus Registrada: 120 anos da Marca Diabo de Simões Lopes Neto”, de Emerson Ferreira.
De família rica de Pelotas, neto do Visconde da Graça, João Simões Lopes Neto se dedicou à criação literária já no fim da vida, com a publicação de “Contos gauchescos” (1912) e “Lendas do Sul” (1913). Morreria três anos depois. Até então, era conhecido localmente pelos textos jornalísticos, peças teatrais e investimentos empresariais, em sua maioria, malfadados.
Simões Lopes Neto teve uma fábrica de vidros, uma destilaria e uma empresa de torragem e moagem de café. Chegou a fundar uma mineradora para explorar prata em Santa Catarina. Em 1901, a fábrica de fumo Simões & Cia anunciava a criação do cigarro Diavolus – o Marca Diabo.
A embalagem estampava a figura do capeta, em contraposição às quatros concorrentes locais, três delas com nomes de santos.
O cigarro Marca Diabo teve vida curta. Deixou de ser produzido em 1906, mas existiu o suficiente para receber medalha de prata na Exposição Internacional de Saint Louis, Missouri, nos Estados Unidos, em 1904.
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Do estoque de fumo encalhado, a inventividade de João Simões Lopes Neto desenvolveu uma fórmula à base de tabaco para o combate de sarna e carrapatos. O carrapaticida Tabacina foi produzido até 1912.
Em um texto de 2018, o jornalista Ricardo Chaves, querido professor Kadão, menciona uma palestra na qual o magnífico professor Luis Augusto Fischer cogita que o empreendimento tabageiro de Simões Lopes Neto tenha dado origem à expressão “marca diabo”, passando a designar produtos de má qualidade. Aí está minha curiosidade de filólogo amador desde criança.
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O fundador do regionalismo e precursor do fantástico na literatura gaúcha teria cunhado ou recolhido a expressão?
De uso corrente no linguajar fronteiriço de meu pai, marca diabo podia ter mais de um significado.
De mercadoria de má procedência a artefato de fabricação artesanal, de produto falsificado a pessoa comum de origem incerta.
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Quando tomada ênfase na forma verbal, marca diabo podia designar, por exemplo, a destreza e a valentia de um gaúcho nas lidas da marcação: “Fulano é um marca diabo!”. Conheci uns cueras que faziam por merecer o apelido Marco Diabo pelas lendárias patacoadas de venta rasgada.
Como João Simões Lopes Neto foi um de nossos maiores folcloristas, é bem provável que tenha recolhido e popularizado uma expressão do vasto território semântico do gaúcho para batizar o cigarro Marca Diabo. Vou visitar a exposição e pesquisar mais a respeito.
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“Entre a tragada e o golito”, como escreveu Aureliano de Figueiredo Pinto, há algo de ameno com que me ocupar e buscar informação nestes tempos em que a marca do malino salta aos atos, às falas e à caneta do desqualificado presidente da República.