EDINARA LEÃO
Escritora, poeta e doutora em Literatura
O homem mau causa maldades para as meninas. Maldades de má escrita. Elas imaginavam saber. Ele, com os punhos cerradas, desmanchava-as. manchava suas escritas de tinta vermelha.
Elas não podiam evitá-lo. Ele estava lá, todos os dias na tinta do caminho. E elas por ali haveriam de passar. Não havia dobras naquela esquina. Seria o lobo mau ou o Barba Azul?
Não, ele se disfarçava e mudava a tez da cara e as faces da roupa. Nem lobo. Nem homem. Um disfarce, cada dia novo. Para que ninguém o soubesse.
EDINARA LEÃO – CONTO: Mala Marron
Sem reconhecimento, ele as levava na estrada pela mão. E lavava as mãos depois. Mudava os rostos. Mudava a tez. Mudava a roupa. Poderia ser o Barba Azul, mas ela não tinha castelo nem casa, e ele não as matava. Comia sua escrita. Bebia de sua água. Lavava o sangue da inocência.
Perdida a inocência, ele lhes roubava o gosto da boca. Elas, a bem da verdade, seguiam vivendo. Já tolhidas dos cabelos. A febre instalada nas almas. Mas a trama também fere o ferro de quem mata.
Um dia o homem, cansado da não vida parou na estrada de chão, não esperava nada. E não veio nada. Sonhou então que o pai havia voltado para casa após o dia de trabalho. Sonhou amor.
Dentro dos contornos da casa, ele não ousava destemperar a inocência. Havia o limite. Por traz da porta vermelha.
Nenhuma praga estampada. Só as almas enfraquecidas do querer. E, de tanto enfraquecer almas, o homem mau sonhou o sonho da alma fraca. Um pai de cantar amor enquanto adormecia. Sonhou meio deambulante.
Ia por uma estrada comprar pão. Ele velho, o pai velhinho, o tempo já ido. O pão fresco. Tiraram a casca. A casca quebrada. A vida perdida.
O prazer de violar. Romper a casca do pão. Violar a vida indefesa. O diabo não amassou o pão nosso de cada dia.
O homem percebe a própria infelicidade. E acompanha o pai. Perderam tempo. A vida já não podia voltar atrás.
Comeu a maldade como quem come o pão. O miolo devorado. A vida irreversivelmente perdida. O tempo jaz no corpo franzino do homem que caminha com o pai. Velhinho.