Paralelo 29

Crônica: O relógio da morte

Foto: Agência Brasil, Arquivo

FABRÍCIO SILVEIRA – Professor universitário

O final de janeiro já se aproxima. Boa parte de meus amigos está na praia ou à beira da piscina, ao lado de um copo de caipirinha. Vejo-os se protegerem do sol, preparar um assado, divertirem-se com os filhos nas imagens digitais que postam no Instagram, no Facebook. Dois deles, destoando dos demais, foram passar as férias em Nova York, de luvas e gorro, encasacados até o pescoço, com temperaturas abaixo de zero. Não os invejo. Nenhum deles.

No próximo dia 26 completo 50 anos – sou aquariano, eu sei, do mesmo dia de Flávio Basso, Angela Davis e Eddie Van Halen – e levo a sério, pela primeira vez na vida, os comentários que já ouvi sobre o “peso da idade”, sobre “como é ruim envelhecer”.

Encaro a crueza de minha maturidade? Será isso? Não posso mais adiá-la e nem fazer de conta que a idade não me alcança? Há uma estrada perdida atrás de mim, não há mais como disfarçar. Penso em Andrés D’Alessandro.

FABRÍCIO SILVEIRA: O bolsonarista esperto

Dia desses, um amigo de adolescência, que eu não via há muito, me reencontrou. Foi ótimo. Conversamos durante horas. Antes de nos despedirmos, ele me disse que foi muito bom nos revermos, “depois de tanto tempo”. Me garantiu que “há muita coisa ainda pela frente”. Foram essas as palavras dele.

Detalhe: ele é cinco anos mais velho do que eu, não deixei de me lembrar. Concordei que foi muito bom, sim, nos revermos. Em silêncio, porém, discordei de que temos pela frente um horizonte tão longo e tão esplendoroso, como ele supõe.

FABRÍCIO SILVEIRA: O Resgate do Soldado Ryan – na CPI da Pandemia

Dois ou três dias antes, naquela mesma semana, eu havia consultado o site www.death-clock.org. Aliás, recomendo. É um site que calcula, a partir dos dados que você cadastra, a data provável de sua morte.

Incluí os meus dados – minha nacionalidade, o dia do meu nascimento, meu índice de massa corporal, o número de vezes que consumo bebidas alcoólicas por semana, se me considero pessimista ou otimista – e recebi o resultado: morrerei no dia 30 de janeiro de 2029. Ainda tenho, portanto, sete anos de vida. Um pouco mais, é bem verdade.

Não disse nada sobre isso ao meu amigo. Pareceu-me, afinal de contas, uma boa data para morrer. De algum modo, me conformei. Achei justo. Me senti pleno e satisfeito.

FABRÍCIO SILVEIRA: Nosso desastre republicano

Terei sobrevivido a uma pandemia – a uma, pelo menos. Terei visto meu time campeão. Terei testemunhado a destruição e a reconstrução da República. Lula estará terminando o segundo mandato consecutivo.

Bolsonaro estará preso – assim espero. Moro, em descrédito, recolhido ao anonimato. No auge de minha maturidade, terei atravessado 2022.

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