ALANA GANDRA – Enviada especial da Agência Brasil* – Fortaleza
Além da saúde mental da população, em geral, a pandemia de covid-19 impactou as condições dos profissionais de saúde e dos estudantes de medicina.
O debate sobre o tema é importante por causa da alta prevalência de transtornos mentais que esses grupos apresentam, afirmou a psiquiatra Grasiela Marcon, ao participar, em Fortaleza, do 39º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, promovido pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
Segundo a médica, as tentativas de suicídio de colegas representam um desafio na profissão. A informação foi compartilhada neste sábado pela médica.
De acordo com Grasiela, desde 2017, percebe-se uma preocupação com os desfechos relacionados com a saúde mental. A partir daquele ano, veículos nacionais e internacionais voltados para o tema passaram a se preocupar com as possibilidades de suicídio.
Um dos casos relatados foi o de uma estudante de medicina de universidade norte-americana que, já na fase final do curso, acabou se matando, ao jogar-se do alojamento. “Foi uma comoção e levantou a questão relevante de que o suicídio acontece e, muitas vezes, acontece mais próximo do que se imagina.”
O trágico evento levou à adoção de medidas para prevenir tais situações, disse a psiquiatra. Centros de apoio psicológico e psiquiátrico começaram a se espalhar pelos campi universitários depois da morte da estudante, e os professores perceberam que, após as intervenções, caíram os índices de suicídio ou de tentativa de suicídio na instituição.
Pré-pandemia
Pesquisa realizada antes da pandemia com 130 mil estudantes de 47 países revelou prevalência de 11% de manifestações psíquicas nessa população, e 15,7% buscaram atendimento psiquiátrico. Foi encontrada prevalência de sintomas depressivos de quase 30%. “A procura por auxílio não é feita pela maioria dos estudantes, e isso vale para os médicos também”, destacou Grasiela.
Também no Brasil, desde 2017, a Universidade de São Paulo (USP) registrou seis tentativas de suicídio entre estudantes de medicina, tendência que acabou sendo verificada em outras universidades.
Um estudo feito na época encontrou prevalência de depressão de 30% entre os estudantes de medicina, prevalência de ansiedade de quase 33%, baixa qualidade de sono e sonolência matinal que atingiam quase metade dos alunos, cada.
Em 2019, em tese de mestrado, Grasiela tentou entender quais eram os estudantes de medicina com tendência suicida e encontrou prevalência de quase 9% em uma amostra de cerca de 5 mil estudantes que já tinham tentado suicídio.
Entre os fatores de risco nessa população, aparecem homossexualidade, bissexualidade, baixa renda baixa, traumas na infância ou na fase adulta, bullying na universidade, história familiar de tentativa de suicídio ou de suicídio consumado, uso diário de tabaco e consumo excessivo de álcool.
Existem ainda fatores de vulnerabilidade. Entre as dificuldades encontradas estão idade precoce, dependência financeira da família, a própria saída da casa dos pais, distância da família, solidão, diferenças culturais, maior exposição a fatores estressantes, como as demandas acadêmicas.
Grasiela destacou que 90% dos pacientes que tentam suicídio têm comorbidades psiquiátricas não tratadas ou tratadas de forma incorreta.
Covid-19
No início da pandemia de covid-19, o isolamento social gerou impacto na saúde mental da população em geral e, também, dos estudantes de medicina. O fato foi agravado pelo próprio adoecimento, pela doença de familiares e morte de parentes e amigos. O ponto positivo foi no aprendizado.
Do grupo de 41 estudantes que participaram da experiência, 37,9% mostraram prevalência de depressão e 33,7% de ansiedade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 25% dos sintomas depressivos e de ansiedade aumentaram durante a pandemia e no período pós pandemia.
Estudo feito no Brasil apurou que 62% da massa de estudantes de medicina estavam em procedimento psíquico, 55% acabaram relatando perda de interesse, quase 40% sentiram-se inúteis, quase 20% sentiram-se incapazes de desempenhar um papel útil na vida e 9% demonstraram tendência suicida.
Na população médica, pesquisa efetuada na fase pré-pandemia, na China, em 2020, publicada na revista Lancet, revelou que 46% dos médicos tiveram sintomas de depressão grave; 41%, sinais de ansiedade e 70%, sintomas moderados a graves.
Para prevenir o suicídio tanto entre estudantes de medicina e profissionais mais velhos, a psiquiatra disse que é preciso identificar precocemente os sintomas e oferecer assistência em relação a isso. Um dos fatores que mexem com os profissionais é a aposentadoria futura, disse Grasiela.
Entre as motivações encontradas em 200 médicos que se suicidaram nos Estados Unidos, durante a pandemia, a médica citou a incapacidade de trabalhar ante a deterioração da saúde, o uso de substâncias químicas, conflitos de relacionamento, estresse financeiro, questões trabalhistas e institucionais.
Segundo Grasiela, a saída para garantir a saúde mental é buscar o equilíbrio, contrabalançando as dificuldades com momentos prazerosos, de modo que os médicos possam exercer a profissão de forma perfeita, com ética, mas também com saúde.
(*A repórter viajou a convite da Associação Brasileira de Psiquiatria)