ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – Escritor
No dia 15 de outubro tive a grata satisfação de participar do 1º Festival Porteira da Poesia de Vacaria. Foram classificados dez poemas para apresentação no palco do Rodeio.
A Paula Daniele Stringhi foi a declamadora e o Fernando Graciola fez o costado.
Deixo abaixo o poema escrito em Décima Espinela.
“Três Marias em nuvens de chumbo”.
I – Maria catadora das penas
Maria catadora das penas,
Revira migalhas no arrebol,
Verte saudades nos dias de sol,
E traz recuerdos de noites serenas.
Debulha rosários em uma novena.
Maria envolve as penas urbanas,
Mendiga migalhas de alma profana,
Segue errante nas vias sem fim,
Roga silêncios que não dizem sim,
E embala rebentos na sina mundana.
Maria das penas sonha que um dia
A vida seria sem o fio dos punhais
Livre dos potros e velhos baguais
Por isso gritava por sua alforria
Pagando promessas em romaria…
Maria que sonha com alvos lençóis
Mas vaga na noite por entre os faróis
Envolta em trapos e morta de fome
Vai solitária num passo disforme
Com ombros pesados de luas e sóis
II – Maria catadora de ausências
Maria catadora de ausências
Medita silêncios em sua clausura
Vibra ilusões de fluída amargura
Recolhe traumas na sua existência
Soluça lágrimas em confidência
Maria é seiva que pede piedade
Revolve sossegos por caridade
E um sol na tarde é um lamento
O olhar tristonho no firmamento
Alvoroço da urbe e da realidade
Maria medita semanas a fio
Pacata ausência de tocante figura
Grassa desejos de insólita lisura
E um vasto pensamento vazio
Profundo e pardo nas águas do rio
Maria intensa de pura negritude
A mão vagueia na vasta amplitude
Sintetiza normas e rusgas eternas
Indicador em riste: é a lei materna
E segue a vida num rumo rude
III – Maria catadora de horizontes
Maria catadora de horizontes
Cata ventos e partiu para o infinito
Leva no ventre um filho bendito
Encara tempos e chuvas na fronte
E desbrava planuras e montes
Maria cata quinquilharias
Um desalento no seu dia a dia
Cruza oceanos e afoga os olhares
Águas soturnas e dias melhores
E um sonho além da fantasia
Maria catadora de margem distante
Léguas de chão e trilhas de pó
Milhas de sal e águas sem dó
Frenética fuga da sina migrante
Ela não cansa e caminha ofegante…
Maria à deriva um sonho extravasa
Teve a certeza da ilusão que abrasa
Na margem oposta o fim da utopia
E o troco da vida, estranha ironia
Partiu Maria… pariu longe de casa
IV – Três Marias em nuvens de chumbo
Três Marias em nuvens de chumbo
Três olhares em triste harmonia
Marias da noite… Marias de dia…
Passos rudes em caminhos imundos
Pobre sina num corpo rotundo
Três destinos de vidas errantes
Marias atrás… Marias adiante…
Três Marias inundadas de mundo
Três batidas sincopadas de um bumbo
Eternas mulheres… Marias andantes…
São três Marias num triste calvário
Sobram penas, ausências e horizontes
Atitudes francas nos dias em reponte
Marias da Fé de joelhos no santuário
Marias das Dores… Marias do Rosário
E seguem no rumo de trilhas e trilhos
Ilusão de desejos num longo martírio
A sina de aço das Marias guerreiras
Levam abraços cobertos de poeiras
Cultivam silêncios e sonhos dos filhos