A 20 dias do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, maior tragédia da história do Rio Grande do Sul, completar 10 anos, o Paralelo 29 publica um artigo da mãe de uma das 242 vítimas fatais da sinistra noite de 27 de janeiro de 2013.
Carina Adriana Corrêa, 45 anos, fala sobre a perda da filha primogênita Thanise Corrêa Garcia, estudante de Filosofia da Universidade Franciscana (UFN), de Santa Maria, que morreu aos 18 anos.
O incêndio na boate deixou, ainda, mais de 600 sobreviventes com sequelas físicas e psicológicas. No júri popular realizado em dezembro de 2021, a Justiça condenou os quatro réus do processo principal: Mauro Hoffmann, Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko; Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão.
Os quatro chegaram a ser presos. No entanto, eles recorreram e em agosto do ano passado, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) anulou o júri em que eles foram condenados. Agora, eles deverão ir a novo julgamento.
CONDENAÇÕES DO JÚRI
- Elissandro Callegaro Spohr, empresário e um dos sócios da boate – Pegou 22 anos e 6 meses de prisão
- Mauro Londero Hoffmann, empresário e um dos sócios da boate – Pegou 19 anos e 6 meses
- Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da Banda Gurizada Fandangueira – Pegou 18 anos
- Luciano Bonilha Leão, integrante da Banda Gurizada Fandangeira – Pegou 18 anos
Passados 10 anos da tragédia, Carina ainda busca forças para enfrentar o luto eterno da perda da filha e as dores constantes da fibromialgia, doença que surgiu após a morte de Thanise. Carina divide sua vida, hoje, com a filha Camilly, 23 anos, com o caçula Theo, de 4, e a neta Isabelly, 3.
Confira o desabafo da mãe de Thanise, chamada carinhosamente de Dime.
Vamos falar dos 10 anos do massacre da kiss?
CARINA CORRÊA – Mãe de Thanise Corrêa Garcia, 18 anos
Há quase 10 anos Santa Maria sofria uma das suas maiores dores. A cidade nem havia dormido, muito menos acordado e já se ouvia ao longe o barulho das ambulâncias, polícia, gritos, helicópteros, um desespero total. Havia no ar um cheiro estranho de fumaça, medo e incertezas.
Pessoas desorientadas, jovens choravam pelo centro e pais apavorados procuravam por seus filhos. Eu era uma das mães que estavam nesse pavor. Minha filha não atendia telefone, não se tinha notícia alguma de minha Dime.
Ainda me recordo que o tempo estagnou naquela longa procura por minha Dime. Embora tenha sido uma das primeiras 20 vítimas do massacre da boate kiss, entre os 242 jovens assassinados, seu nome não constava nas listas dos hospitais.
Minha amada Dime estava deitada em frente a um estacionamento, no chão sujo e duro, algo jamais imaginado por mim, nem em meus maiores pesadelos. Mas o pesadelo de qualquer mãe e pai se fez real para mim. Ainda sinto a mesma sensação e sentimento de 10 anos atras.
Uma sensação física de dor, náusia e tremor. Um sentimento de impotência diante da situação em que não pude salvar minha filha e que deveria estar ao seu lado para salvá-la.
É um sentimento comum entre as mães se acharem invencíveis, capazes de resolver seja qual for a situação em que sua cria corra qualquer tipo de perigo. Algo frustrante diante da situação que se configurava a mais triste de minha vida. Minha filha e amiga foi assassinada!!!!
Nesses 10 anos de tristeza inconsolável posso dizer, que ainda espero a DIme chegar. Ainda passo o café preto esperando a Dime sair do quarto e me falar quais serão seus planos para o dia e combinarmos as agendas, e nos vermos no final da tarde,. Ainda espero a ligação dela e ainda instintivamente tento ligar para ela quando vejo uma roupa ou bijuteria bonita
Estranho e doloroso vazio diário, incompleto em todas horas do dia e da noite. Saudade sufocante e latente que não existe remédio que amenize nem terapia que me faça compreender as estranhas trilhas da vida que tiraram minha Di.
Mesmo carregando tamanha dor, decidi pôr nossos planos em prática, planos esses que nos foram roubados no dia 27 de janeiro de 2013. Minha Di é valiosa demais e nossos sonhos também. É uma forma tranquila de tê-la comigo.
Nesse 10 anos as lágrimas escorrem todos os dias e acredito que sempre escorreram para desafogar o peito atolado de memórias tristes, mas também, de memórias imensamente alegres e felizes. Eram muitas risadas e gracinhas entre nós.
Jamais superarei a falta que tenho da Di. Tento contornar e acomodar, em algum lugar dentro de mim, essa falta que minha filha sempre fará.
Tentando viver um dia de cada vez, cada dia com sua própria dor e alegria, vou vivendo com a certeza que toda vida é sagrada e valiosa.
Certeza essa que me faz, ainda, acreditar na humanidade e saber que vale a pena viver. Vivo por mim e vivo pela minha Dime. É a melhor forma de declarar meu amor enorme a ela é vivendo