ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
*A foto que ilustra este texto, em preto e branco, foi feita pelo autor do texto em 30 de janeiro de 2013. Ela mostra flores que os santa-marienses deixaram em frente à boate em homenagem às vítimas
A vida é um sopro e dez anos passam num estalar de dedos. Pra mim, tudo está muito presente. As chagas são de ontem e as vergastas ainda não estão totalmente cicatrizadas.
Eu não tive familiar vítima da tragédia, somente amigos e pais de amigos e mesmo assim não me sinto em condições de assistir tudo o que foi a noite do dia 27 de janeiro de 2013. Tenho dúvidas se assistirei ao documentário e ao seriado na Netflix. Eu, particularmente, preciso de mais distância do evento.
Eu preciso de uma memória mais envelhecida. Dez anos para quem sobreviveu ou presenciou a tragédia é como se fosse a semana passada. Para quem foi vítima é uma eternidade.
Muitos talentos sucumbiram naquela noite. Um dado que nunca esqueci: calculando a perspectiva de vida dos jovens da tragédia, foram ceifados um total de 10 mil anos. Essa a verdadeira grandeza desse descalabro. É por isso que se busca, incessantemente, por justiça.
O dia 27 de janeiro deve ser dedicado às reflexões e orações. Cada pessoa, a sua maneira, deve expressar o seu sentimento de pesar e solidariedade. O que não podemos é passar o dia 27 de janeiro como se nada tivesse acontecido. Nunca esteve e não está tudo bem. Precisamos de justiça e respostas.
Não pretendo discutir o componente mercadológico do documentário e do seriado. E não quero fazer prejulgamentos, cada um com suas razões. Não sou assinante da Globoplay e não pretendo vir a ser.
Talvez assista ao seriado da Netflix… mas tenho dúvidas se conseguirei, com a devida distância de uma terceira pessoa, pois de uma forma ou de outra, somos coadjuvantes desta história.
E os protagonistas não estão mais aqui. Onde você estava na noite do dia 27 de janeiro de 2013? Era madrugada quando começou a movimentação dos filhos em casa. Luzes acesas e falatório na sala. Um burburinho no ambiente… alguém comenta sobre um incêndio na boate kiss. E teve mortes.
Muitas mensagens nos telefones… alguém falou em vinte mortes. Levanto e ligo a televisão e, realmente, na Globonews a notícia era de uma tragédia em Santa Maria com vinte mortes de jovens numa boate.
Mas em dez minutos a notícia foi atualizada para 140 mortes e logos em seguida para mais de 200. A partir daquela manhã Santa Maria não seria mais a mesma… e todos nós conhecemos a história. Orações e solidariedade pelas vítimas da boate Kiss.