ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
Eu pretendia dar um tempo, mas dois motivos me levaram a escrever, novamente, sobre a tragédia da boate Kiss. O primeiro deles foi um debate no Face acerca da minissérie na Netflix e o outro foi um cantor ironizando o incêndio na distante Roraima. [Mal sabe ele da nossa ligação afetiva com Roraima através da UFSM… talvez o tal Ícaro descubra isso agora.]
Não pretendo contestar e nem acirrar os ânimos. A ideia é tratar sobre a importância do documentário e da minissérie e sobre a empatia, respeito e solidariedade sobre evento tão triste e traumático.
Então, vamos dar um pulo a Sergipe. Lá estava eu num carro de aplicativo que me transportava de Aracaju até a histórica São Cristovão. A viagem é relativamente curta, pouco mais de meia hora.
Um gaúcho em Sergipe é conhecido até pelo tranco e quando abre a boca escancara a fala sulina.
– Gaúcho de Porto Alegre?
– Não, sou gaúcho de Santa Maria… – propositalmente eu deixo um tempinho para ver a reação.
– Sua cidade é famosa, só não estou lembrando o porquê.
Reavivo a memória do sergipano com a tragédia da boate kiss. Aí o assunto se prolonga. O retorno, também no aplicativo, e a conversa foi semelhante a anterior.
– Sou gaúcho de Santa Maria – e deixo o mesmo tempinho para assimilação.
– Eu vi uma reportagem na televisão sobre Santa Maria, mas não estou lembrando… é uma cidade bem conhecida!
Novamente, reavivo a memória do sergipano sobre a boate kiss. Na recepção e no bar do hotel ninguém comentou quando falei “gaúcho de Santa Maria”.
A minha amostragem é pequena, mas fiquei com a impressão de que a distância geográfica e a distância no tempo – são dez anos passados – vão suprimindo da mente das pessoas o 27 de janeiro da boate Kiss.
Os afazeres e a labuta diária contribuem para que tudo se transforme numa vaga lembrança. Sendo assim, alguém no palco de uma balada em Roraima solta um “Alô, boate Kiss!” e ninguém se indigna.
Um escárnio para quem ainda clama por justiça! Um deboche injustificável. É a normalização do sofrimento, muito presente em nós. É a indiferença diante da lágrima e da saudade.
Uma espécie de “tô nem aí” que nos causa profunda indignação, porque ainda não paramos de chorar e sofremos com as ausências dos entes queridos, pois tudo para nós é tão presente.
E será presente para sempre. A tragédia da boate Kiss não pode cair no esquecimento! É de suma importância, tanto o documentário como a minissérie, pois com eles estamos provocando a lembrança para o Brasil e o mundo e denunciando a morosidade da justiça.
Ah! Mas a iluminação e o enquadramento estavam horríveis e o sotaque exagerado. Eu até posso concordar, mas isso não tem a menor importância.
Enfim, não podemos dar um tempo quando a chacota, o deboche e o escárnio mexem com as nossas ausências e saudades. A resposta deve ser de pronto e com veemência, para não ser esquecido e para que não se repita.