FRANCIELE ROCHA DE OLIVEIRA – HISTORIADORA E DOUTORANDA EM HISTÓRIA DA UFSM*
Na semana em que dei uma aula falando sobre os Griots, perdemos um dos mais importantes que conheci. Seu Marcos Aurélio Marques era um sábio contador de histórias suas e de seus ancestrais.
Nossas conversas nunca acabavam cedo, toda a vez que eu passava na travessa Hermes Cortes, a tradição era cumprimentá-lo e se viesse até mim era “caso perdido”: ficávamos horas a fio de papo, e como eu aprendi! E como eu sigo aprendendo!
Seu Marcos Aurélio Marques nasceu no dia 04 de fevereiro de 1943, era o filho mais novo de dona Cecília Martins, doméstica, e do músico do Exército Francisco de Assis Elias Marques.
Sem sombra de dúvidas, era filho de uma das mais importantes lideranças do associativismo negro de Santa Maria no pós-Abolição. Sua família esteve envolvida no Clube União Familiar, no Rancho Carnavalesco O Succo, nos jornais da imprensa negra, nos clubes negros de futebol desde as primeiras décadas do século XX.
Marcos nasceu e cresceu com o Carnaval da cidade, desde pequeno há registros seus e de seus familiares articulados com a festa e com a sobrevivência de homens e mulheres negros e negras em Santa Maria.
Era irmão de Antão e de Terezinha, neto de Alfredo Elias Marques e Maria Eugenia Marques, por parte paterna, e de Alfredo Martins e Tolentina Martins, por parte materna.
Desde a pesquisa que deu origem ao Moreno Rei, seu Marcos se tornou um parceiro de atividades e estudos. Em 2019 foi homenageado pelo GEPA – Grupo de Estudos Sobre Pós-Abolição, recebendo o título de Descendente e Guardião da Imprensa Negra de Santa Maria, em diversos momentos sua casa foi parte do roteiro de passeios guiados nos territórios negros de Santa Maria, criados pelos membros do grupo e em 2021 foi chamado a participar das gravações do filme sobre a história de Lupicínio Rodrigues.
Nossa última aventura foi em 15 de dezembro do ano passado, quando o GEPA, graças a uma campanha coletiva, conseguiu levar um grupo, o Seu Marcos e seu neto para assistirem a exibição especial do filme Lupicínio Rodrigues: Confissões de um sofredor (Plural Filmes), em que seu Marcos é entrevistado e conta as memórias de seus pais com Lupi na antiga Vila Brasil e onde compartilha de sua sabedoria sobre a obra do músico, de quem era fã.
Quero lembrar desse dia pra sempre! Da aventura do seu Marcos, talvez em sua “penúltima” viagem, das risadas que demos no trajeto de 8 horas até a capital em uma van, de estar na Cinemateca Capitólio com o seu Marcus se vendo em telão de cinema, numa sessão lotada, com familiares, amigos e admiradores de Lupi, contemporâneo e amigo de gigantes como seus ancestrais. Da nossa ida ao Tudo Pelo Social e da cervejinha tomada.
Nossa última conversa naquela viagem; seu Marcos conversou sobre seus ancestrais biológicos, tema que não adentrávamos muito, segundo ele, porque eu nunca perguntei.
Quando ele contou o nome daqueles bisavós, fiquei eufórica, pois também “os conhecia” de longa data e pesquisa. Anotei tudo no caminho, pra não esquecer.
Ele me confessou que queria voltar ao território do quilombo de seus ancestrais biológicos, das memórias da Festa de Santo Antão. Prontamente eu disse que topava de irmos juntos. Estava combinado, nós iríamos assim que possível.
Obrigada por tudo, mestre e guia. Obrigada por me acolher e por me ensinar tanto. Quero pensar que onde estiver está em paz, leve e feliz, num lugar rodeado de orquídeas, onde possa ouvir samba-canção como na antiga vitrola e reencontrar todos aqueles e aquelas que rememorou a vida inteira.
Desejo força aos que ficam neste plano, a dona Lorena e as filhas Rosanara Marques, Rosane da Silva, Roseclei, Rosangela, e filho Júlio César.
*Franciele Rocha de Oliveira também é membro do Grupo de Estudos Pós-Abolição da Universidade Federal de Santa Maria (GEPA/UFSM) e autora do livro Moreno Rei (2016), que traz histórias de Marcos Aurélio Marques e de seus ancestrais
Nota da autora: As fotos que ilustra o texto retratam momentos felizes com seu Marcos nos últimos 10 anos e fotos de seus acervos, compartilhadas em nossas pesquisas.
Nota do editor: o texto de Franciele foi publicado originalmente no perfil da autora no Facebook e é publicado na íntegra a pedido do Paralelo 29