ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
Na Era mesozoica da minha existência eu tinha o hábito de escrever cartas. Escrevia muitas cartas lá pelos idos dos anos 80 do século passado.
Meu alvo preferido eram os ex-colegas de faculdade, dispersos por esse mundão de Deus e um irmão que morava longe. Como um futuro burocrata, tinha o costume de escrever com cópias, mesmos as cartas manuscritas.
As cópias eu guardava – anexava para ser mais moderno – numa pasta de papelão para consulta futura. Mas não imaginava um futuro tão distante, pois, hoje, buscando uns documentos, me deparei com a velha e amarelada pasta.
Lá havia várias cartas, passei a tarde lendo, e relembrando saudosos tempos de engenharia. E uma delas me chamou mais atenção e estava datada de 29 de outubro de 1987 em que comentava sobre a passagem de Luis Carlos Prestes por Santa Maria.
Havia um bom tempo que deseja escrever sobre o tema “Luis Carlos Prestes no Bombril”, mas só a memória não era suficiente para produzir uma crônica. A carta ajudou bastante…
Agora passo a escrever alguns trechos da carta escrita há 35 anos.
“Ontem à noite esteve em Santa Maria o Luis Carlos Prestes, ele fez uma palestra sobre conjuntura política e falou um pouco sobre a Coluna Prestes.
O velhinho chegou no Bombril com mais de uma hora de atraso. Quando entrou no recinto a massa já começou a aplaudir e foi um aplauso intenso. A história adentrava ao ambiente do Centro de Atividades Múltiplas Garibaldi Pogetti. Estávamos todos em êxtase.
Prestes baixou o pau no Sarney e nos PCs – Partidos Comunistas – dizendo que eram comunistas só no nome. Um vereador [na carta consta o nome do vereador] ficou sapateando em cima das cuecas. [Eu costumava usar muito esta expressão para exprimir quando alguém estava descontrolado.]
Um gurizão pegou o microfone e disse um monte de coisas desagradáveis para o camarada ancião, mas ele não deu a mínima e continuou com a explanação. [Expostas ali algumas rixas internas do PC.]
Fiquei espantado com a sua lucidez e resistência. Lucidez ao analisar a história do país e a conjuntura atual com senso crítico bem apurado e resistência por falar mais de duas horas em pé, visto que ele tem 89 anos. O velho é uma página viva da nossa história.”

Aqui acaba a transcrição de parte da carta que estava endereçada a um irmão que morou em Goiás. Posteriormente, alguns dos correligionários mais chegados ou enxeridos acompanharam o Cavaleiro da Esperança para um jantar no Augusto.
Para os mais novos ou desatentos, o Restaurante Augusto era o lugar preferido para celebrar com quem visitava a cidade, sem restrição ideológica. Tem registro fotográfico daquela janta aí pela web.
Eu não participei, não tinha estofo suficiente para garantir a boia no prato. A grana era curta mesmo. Eu era, apenas, plateia neste processo. Observador da história dentro do Bombril e foi suficiente e inesquecível.
Enfim, fica aqui uma breve lembrança da passagem de Prestes por Santa Maria naquele longínquo 28 de outubro de 1987.