Paralelo 29

CRÔNICA DO ATHOS: Adão Latorre

Foto: Reprodução

ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR

Os noticiários estão repletos de cenas de barbárie. Todos os dias assistimos ocorrências de selvageria e estupidez. Indivíduos incapazes de perceber o sentido da vida.

A nítida sensação é de que estamos involuindo enquanto sociedade. Mas a constatação é de que a barbárie sempre existiu. Atualmente, ela é, apenas, transmitida em tempo real. 

Retrocedendo um pouco no tempo – mais precisamente em 1893 – e vamos ali para o sul do estado, na fronteira com o Uruguai. Então, chegamos no nome de Adão Latorre.

Todo esse introito para fazer um breve comentário sobre o livro “Um tal Adão Latorre” – A degola na revolução de 1893 – de Nilson Mariano.

Adão Latorre foi um dos protagonistas da revolução federalista de 1893/1895. Uma peleia sangrenta entre Maragatos e Pica-Paus. Os federalistas desejavam destronar o Júlio de Castilhos. E como diz a música “Colorada” [Silva Rillo / Mario Barbará] “Prisioneiro era defunto e se não fosse era exceção”.

No evento denominado massacre de Rio Negro foi onde Adão Latorre usou, desmedidamente, sua faca degoladora.  Um negro não chegaria ao coronelato se não tivesse certas habilidades, pois salvo alguma exceção os coronéis era todos estancieiros.

A versão castilhista consta como 300 degolas do carniceiro do Rio Negro. No contraponto, o chefe federalista, Joca Tavares reduziu o número de vítimas para 23. Segundo o autor a melhor maneira de se aproximar da verdade seria optarmos por dezenas de vítimas.

Transcrevo abaixo o modus operandi da “gravata colorada”. Pg 37.

“A degola coletiva prosseguiu. Latorre contava com auxiliares, pois era preciso sujeitar a vítima, pô-la de joelhos, mãos amarradas para trás. Eram gaúchos altos, melenudos, que teriam vindos da província Argentina de Corrientes, reduto de mercenários que não refugavam serviços se o pagamento fosse em moedas de prata. Se algum sentenciado embestava de não levantar a cabeça, na vã tentativa de proteger os gorgomilos, um deles colocava a ponta da faca no nariz do supliciado, pressionando para cima, quebrando-lhe a breve resistência.”

A vingança de Rio Negro foi efetivada por Firmino de Paula, o mandante da degola coletiva de maragatos no Capão do Boi Preto, nas proximidades de Palmeira das Missões. 

“Os maragatos haviam festejado na noite anterior com algumas prostitutas. Beberam vinho e se fartaram do churrasco. Parte da carne espetada sobre as brasas eram de bois roubados da Fazenda das Brancas, pertencente justo a Firmino de Paula. A vendeta republicana propagou que cerca de 300 maragatos teriam sido degolados, um exagero com o fim de propaganda da vingança.”

Na barbárie da degola podemos considerar um empate técnico. Com três pontos percentuais para mais ou para menos. O livro traz algumas informações relevantes, que por vezes passam despercebida nas nossas leituras e informações históricas.

Capa do livro de Nilson Mariano/Foto: Reprodução
  1. Zeca Netto lutou ao lado dos brancos – Pica-paus – em 93 e ao lado dos vermelhos – Maragatos – em 23.
  2. Havia diligências que transportavam as pessoas das estações até os seus lugares de moradia. Um exemplar dessas diligências está no museu histórico regional de Melo no Uruguai: mede 3 m 90 cm e acomodava até seis viajantes e era tracionado por até nove cavalos.
  3. A maioria dos Pica-paus era formada por nordestinos, enviados pelo Floriano Peixoto para ajudar o exército legalista no sul.
  4. Na história da maldade a degola é uma marca genuína do Rio da Prata abrangendo Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul, assim como outras nações adotaram fuzilamento a guilhotina, a forca e o envenenamento para execução.

Enfim, Latorre impressionava por sua capacidade de domínio das ações, mantinha-se imperturbável – ou dissimulava qualquer ponta de receio – nas piores enrascadas. Quanto mais encrespada a peleia, mais a vontade ficava. O que outros faziam com dificuldade para ele era fácil.

Latorre morreu na revolução de 23 com 88 anos, peleando. A data de nascimento é incerta, na lápide onde consta seus restos mortais em Bagé a família gravou o ano de 1835. Adão Latorre nasceu no vilarejo de Cerro Chato, em Rivera no Uruguai.

“Um tal Adão Latorre” a história de um carrasco inclemente. Uma leitura que expõe os banhos de sangue por conta das nossas eternas divergências políticas.

Ainda bem que superarmos o método da degola. Hoje, a gravata colorada tem outras faces… ou gargantas.

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