Paralelo 29

CÁ ENTRE NÓS: Lala, a fúria; Mimosa, a iluminada

Lala, adotada/Foto: Arquivo Pessoal, Alessandra Cavalheiro

ALESSANDRA CAVALHEIRO – JORNALISTA

Não sei o que é uma vida sem bichos. Sempre tive cães e não abro mão do seu amor incondicional. Sou uma criatura que, quando passa de um cômodo para outro, tem uma fila de amigos interessados e fiéis atrás. Portanto, jamais estarei sozinha. No momento, a matilha tem cinco cães, mas hoje quero contar sobre minhas velhinhas. Lala, 15, e Mimosa, 16 anos.

 Lala é uma pinscher com cruza de alguma coisa braba que vai completar 15 anos em janeiro de 2024. Tem a tradicional fúria com tremedeira da raça, e quando saímos para passear, é ela que me carrega.

Temida por todos os motoboys que chegam, Lala só tem um dente. E ele tem nome: abridor de latas. Quem batizou foi o entregador do gás, que chega a tremer quando vê a criatura. Sim, aquele homem forte, acostumado a carregar os botijões.

Lala também tem o apelido de ‘Gremlin’, e se justifica quando está possuída pela fúria. Certamente, nossa segurança em casa é garantida por ela. É daquelas que chega a planar no ar enquanto dispara desaforos a qualquer vivente que esteja inocentemente passando em frente à casa.

A pequena foi escolhida na OLX pela minha irmã e a ideia era pegar algum que ninguém iria querer. Contam que Lala só comia salsicha, e realmente, parecia ficar eternamente em exibição na internet.

Pela aparência muito pouco privilegiada, minha irmã decidiu pensar um pouco mais. Dias depois, Lala reaparece em sua frente na OLX e minha irmã tem a certeza. É ela.

Mas Lala tem o amor na mesma medida da fúria, e isso faz dela um ser especial. A valentia com menos de três quilos enche a casa, a vida e o coração da gente. Portanto, Lala não morrerá jamais.

Mimosa tem uma história peculiar, digna de registro. Sua concepção ocorreu na porta de um templo budista, em Viamão.

Mimosa nasceu em um templo budista e foi adotada/Foto: Arquivo Pessoal, Alessandra Cavalheiro

A mãe, Shamata (nome da principal prática meditativa do local), e o pai, Milton Leite (grande e branco, com todo o respeito ao colega jornalista). Sim, eles se amavam na porta do templo, enquanto ocorria um retiro espiritual.

Contam os meditantes que Mimosa foi a última da ninhada a ser adotada. Muito quieta, com um olhar profundo, não apresentava a mesma vivacidade dos irmãos. Então, o lama a batizou e abençoou: Mimosa.

Mimosa vivia com os praticantes do budismo, que seguidamente entravam em retiro solitário e se ausentavam de casa. Por isso, ela passou por várias famílias, até que foi adotada por minha tutora no budismo. Os demais cães da vila a agrediam porque ela parecia não ter dono, já que seus tutores sempre acabavam entrando em retiro.

Foi o caso de minha tutora, que entrou para um retiro solitário, e Mimosa, mais uma vez, ficou sem rumo certo. Até que o lama determinou: Mimosa deveria vir pra Floripa para não sofrer as represálias dos demais bichos. Um dia, minha tutora estava prestes a viajar e pediu que eu cuidasse da Mimosa. Fui lá, peguei e para sempre estaremos juntas.

Quando a adotei, ela sofreu muito a falta da tutora, mas logo se adaptou. Tinha seis anos, hoje tem 16. A catarata a cegou de um olho, o outro está bem prejudicado.

As marcas do tempo estão em seu corpinho de pelos brancos misturados com cinza e amarelado. Mimosa pode ser chamada de autossustentável. Se vira, nunca incomodou. Apenas precisa de comida, água e amor para viver. Com a bênção dos budas, que ela viva para sempre.

Para não sucumbir a esses tempos de degenerescência, preciso contar as histórias dos meus bichos. É um bálsamo, eles são nossos amigos. Não tenho armas, tenho amigos.

Nós os curamos, eles nos curam. Observo a divindade nas coisas e seres, e bem especialmente, nos animais. Ah, sãos milhões de razões que temos para ser gratos. Eles nos protegem e nos amam de uma forma que jamais iremos imaginar.

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