ALESSANDRA CAVALHEIRO – JORNALISTA
Os problemas mundiais estão dentro de nossas casas. A guerra, as mudanças do clima e a fome estão entre os grandes desafios que têm intensa repercussão na vida de cada um de nós.
Nesse contexto, hoje (segunda-feira, 18) e amanhã (terça-feira, 19) estará acontecendo a Assembleia Geral da ONU, onde cientistas, políticos e autoridades de todos os países estarão reunidos em Nova Iorque para debater sobre essas questões vitais.
A natureza não tem culpa. Os grandes vilões da nossa tragédia somos nós mesmos: os monstros da ganância desenfreada, a corrida mortal atrás do lucro e a desinformação que acaba com o nosso futuro e nos leva a um suicídio coletivo.
Quero aqui refletir sobre a fome. Nunca passei fome na vida, porém, em alguns momentos tive dificuldade para me alimentar. Existe a fome da dieta: preciso comer menos e melhor para emagrecer e não ficar doente. É uma ótima fome.
Mas fico imaginando o horror que é não ter nada na mesa e definhar sem água potável, sem alimento e sem perspectiva de futuro. É preciso um exercício de empatia para tentar sentir esta cruel realidade.
ALESSANDRA CAVALHEIRO: Vira-lata, amor de verdade
Na Acampamento e na Cracolândia
Anos atrás fiquei perplexa, andando na Rua do Acampamento, quando vi um corpo no chão, que parecia sem vida. Eu, como tantos que passavam apressados por ali, segui, atônita, mas em frente, como se estivesse anestesiada.
Este ano observei a Cracolândia, num exercício de realidade nua e crua em São Paulo (com ajuda de policiais) e aquilo parecia uma visão do inferno de Dante. A raça humana na escuridão da dor.
Um dono de bar próximo à Cracolândia me serviu café por volta das 8h, em um domingo bem frio, enquanto eles estavam dormindo, e contou: eles atuam entre três.
Um chega rapidamente e rouba você, enquanto o outro pega o produto do roubo e sai correndo em direção a um terceiro, que de moto ou bicicleta, leva os objetos roubados para longe. Tudo muito rápido. Uma ação para conseguir a droga e o alimento.
A fome, sim, leva as pessoas a fazerem coisas que não temos alcance para imaginar e sentir. Olhamos imagens na TV de humanos subnutridos, crianças, notícias terríveis, e achando que nada podemos fazer, seguimos, alheios, cuidando mal e porcamente do nosso umbigo. Se sentimos algo, é uma grande impotência e logo desistimos, e vida que segue.
CÁ ENTRE NÓS: O beabá do clima
Precisamos de instrução
Nada melhor do que informação, conhecimento e claro, boa vontade para encontrarmos formas de fazer a diferença. Assim, reuni alguns dados de relatórios sobre o tema, para a nossa instrução.
Segundo o relatório SOFI 2023 da ONU, hoje, são 735 milhões de pessoas que passam fome no mundo. Houve redução da fome na Ásia e na América Latina. Aumento da fome na Ásia Ocidental, no Caribe e em todas as sub-regiões da África em 2022.
Recentemente, o secretário-geral da ONU António Guterres declarou que “A nossa família humana está maior do que nunca. No entanto, os líderes políticos estão lamentavelmente para trás nos esforços para a construção de um mundo pacífico e próspero para todas as pessoas”. O agravamento da fome mundial foi acelerado pela pandemia e guerra na Ucrânia, que aprofundou a crise de alimentos.
Quando Guterres fala que os políticos estão para trás, podemos observar o estrago feito no governo anterior, com a desativação do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), e outros programas, essenciais para a alimentação da população em situação de vulnerabilidade.
O atual governo vem reativando essas ferramentas para o Brasil correr atrás da máquina e melhorar os números. Oremos.
ALESSANDRA CAVALHEIRO: Tortura, as profundezas da dor
No Mapa da Fome
O relatório da FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura, publicado em 2022, mostra que o Brasil está novamente no Mapa da Fome.
Uma média feita de 2019 a 2021, revela que a fome atingiu 4,1% da população brasileira, levando 8,6 milhões de pessoas à desnutrição e 15,4 milhões de pessoas à insegurança alimentar severa.
Dos 166 países analisados pela FAO entre 2019 e 2021, 118 deles entraram no Mapa da Fome, e somente 48 deles não entraram. Nesse ranking, o Brasil ocupa o 94º lugar, ficando atrás de países como Argentina, Chile, Costa Rica, Japão e Ucrânia, de acordo com os números divulgados.
CÁ ENTRE NÓS: Só queremos chegar
Nunca é tarde para agir
É realmente lamentável que nossa perspectiva de futuro esteja tão abalada. É preciso mais coragem a cada dia para encarar de frente o que os relatórios e estudos dizem.
Mesmo com todos os esforços da Agenda 2030, estima-se que até lá 670 milhões de pessoas ainda poderão enfrentar a fome no mundo devido aos fatores climáticos, políticos, econômicos e sociais, além dos estragos de pandemias.
Ou seja, o mundo não está a caminho de alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável ODS 2, Fome Zero e Agricultura Sustentável, e a meta de zerar a fome até 2030, mas sim de ultrapassar 840 milhões de pessoas em situação de fome + insegurança alimentar.
Dá tempo de mudar? Claro, somos 8 bilhões, e como diz Guterres, se cada um decidir fazer alguma coisa boa, tudo pode ser melhor. Bora lá.