JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR
A certeza de que um dia perderemos o papel de personagens nesse enredo de lágrimas e prazeres, que é a vida, levou o homem de antanho a buscar uma alternativa.
Diante dos fenômenos violentos da natureza, como raios e trovões, para os quais não encontrava explicação, sua imaginação o levou a criar divindades, atribuindo-lhes o poder de domínio sobre os colossais estrondos e assombrosos riscos ígneos no céu.
Daí a imaginar que o firmamento servia como morada para esses deuses, foi um pulo. Esse homem, claro, não tinha consciência de sua constituição química, que não só o sujeitava a mutações, como lhe determinava prazo de validade.
Mas ele possuía o instinto de sobrevivência, comum a todos os animais e nele avivado pela inteligência, que o levava a ter um grande amor por si mesmo: o egoísmo. De modo que o instinto e o egoísmo não lhe permitiam aceitar a ideia de que tudo termina com a morte.
Do deus Javé, que se comprazia com o sacrifício cruento de inocentes pombinhas e cordeiros, aos deuses que celebravam os prazeres da vida, como Baco e Vênus, foi imensa a constelação de divindades criadas pelo homem, frutos de uma obsessão coletiva, ao longo de toda a história da humanidade.
A primeira narrativa, da qual brota essa obsessão, é a que relata a construção do Bezerro de Ouro, levada a efeito pelos judeus. Enfastiados com a liderança de Moisés, na jornada que os conduzia à “terra prometida”, eles resolveram criar um deus palpável como objeto de sua adoração.
Hoje o ouro é coisa rara, valiosíssima, muito cara para se tornar simples objeto de veneração, quando empregado em massa representativa de deuses ou seres assemelhados a divindades. Para isso servem a pedra, o cimento, a mão cinzeladora dos mestres ou a inteligência artificial.
O Cristo Redentor do Rio de Janeiro e de Encantado arrastam multidões para lá. Espalhadas pelo mundo, as múltiplas denominações, imagens e estátuas de Maria, a quem os dogmas cristãos atribuem o privilégio de ter sido portadora do óvulo que deu vida a Jesus Cristo, disputam com Meca a estatística das atrações religiosas.
Agora está em moda o “turismo religioso”, que faz a alegria das Fazendas Municipais e das tesourarias de dioceses católicas.
Mas, a gente que olha essas coisas com olhos de simples narrador das peripécias do homem de hoje, não pode deixar de se entregar à compaixão por criaturas ingênuas, que servem como inocentes úteis a tais organizações públicas ou religiosas.
Como aquela humilde criatura, de 73 anos que, entrevistada em Santa Maria sobre a festa da Medianeira, para cuja quermesse trabalha como cozinheira voluntária, disse: “a gente se doa de coração, vem para cá às seis da manhã e sai às quatro da tarde, mas não cansa, tudo por Nossa Senhora”.
Dona de um sentimento íntimo, que é a fé, do qual deve dar conta no confessionário, a respeitável idosa ignora que está servindo realmente a outros senhores, porque a “Nossa Senhora” não precisa disso.