ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
Em um comentário que fiz na postagem de um amigo sobre o destino dos livros, escrevi que tinha o hábito de abandoná-los em lugares públicos. Sinto que tenho um excedente e entendo que alguns podem seguir outra jornada com novos leitores.
Já adquiri livro pela capa. Quem nunca? As capas atraentes sussurram histórias antes mesmo de abrirmos as primeiras páginas. A sensação de folhear e sentir o aroma do livro é como desembrulhar um presente. Cheiro que só os loucos por literatura entendem.
Quando compramos um livro estamos investindo em conhecimento, entretenimento e prazer na solidão de uma cadeira preguiçosa no quintal. Por vezes sesteamos com o livro sobre o peito, na cadeira preguiçosa no quintal.
A livraria se torna um campo de possibilidades e cada escolha reflete nossas aspirações intelectuais, emocionais e… ideológicas.
À medida que os anos passam, nossas estantes se tornam um testemunho tangível de quem fomos e quem aspirávamos ser. Cada livro acumulado é um capítulo adicionado à narrativa de nossas vidas.
Algumas estantes transbordam com os clássicos que nos moldaram, os best-sellers que nos cativaram, e os volumes empoeirados que juramos ler em algum momento. E que nunca leremos.
No entanto, o acúmulo tem um preço. O espaço nas estantes não é infinito, e a acumulação excessiva pode transformar o refúgio literário em um labirinto caótico. Alguns livros tenho em duplicidade, pois esqueci que tinha e acabei adquirindo novamente.
Em outra oportunidade cliquei duas vezes no mesmo livro e só percebi quando os dois exemplares foram entregues. Acontece! Mas a raiva que dá é momentânea. Então, entra a questão do abandono. O exercício do desapego.
As páginas que uma vez fizeram parte do nosso cotidiano podem encontrar novos leitores, abrir novos horizontes e continuar sua jornada, mesmo que não estejam mais em nossas estantes.
E assim, inevitavelmente, surge a meditação sobre o destino das bibliotecas após a morte. Será que nossos livros encontrarão novos lares? Serão herdados por amigos, familiares ou desconhecidos curiosos? Ou talvez se tornem parte de bibliotecas públicas, espalhando-se como sementes de conhecimento?
Essa reflexão nos convida a considerar o legado que deixamos para trás, não apenas em termos de posses materiais, mas como uma expressão de quem éramos como leitores e pensadores.
Nossos livros, testemunhas silenciosas de nossas paixões e buscas intelectuais, continuam a contar histórias muito depois de termos virado a última página de nossas vidas. A nossa vida é um livro em que o capítulo final ficará inconcluso.
Em última análise, a compra, acumulação e eventual despedida de livros são um ciclo que ecoa a própria jornada da vida. Mas, enquanto isso, vamos adquirindo, acumulando e exercitando o desapego.
Para encerrar, estava eu num banco da praça na feira do livro de Porto Alegre. Levantei e deixei dois exemplares. Em segundos uma guria me alcançou e entregou os livros afirmando que eu havia esquecido sobre o banco. Agradeci. Eu ando meio distraído ultimamente, falei. E ofereci de presente pra ela.
Ela aceitou dizendo que gostava de um dos autores esquecidos. E fui para o meu cappuccino no café da praça. Faceiro, porque a guria me chamou de moço.