Paralelo 29

Caixeiral de Santa Maria completa 138 anos de fundação com prédio interditado e ruindo

Clube Caixeiral, agosto de 2009/Foto: Osvaldo Melo, Arquivo Pessoal

Sede do clube, que completará 98 anos em outubro, teve parte do telhado destelhado em 6 de fevereiro de 2018, e está interdita desde 2021

JOSÉ MAURO BATISTA – PARALELO 29*

Quem passa na Rua do Acampamento nº 39, no Centro de Santa Maria, certamente não deixará de reparar o estado de abandono do prédio do Clube Caixeiral, que está completando 138 anos de fundação nesta quarta-feira, 14 de fevereiro. A atual sede, no entanto, completará 98 anos em outubro.

Tombado provisoriamente como Patrimônio Histórico Municipal desde 18 de dezembro de 2019, o clube está fechado desde fevereiro de 2018, quando parte do telhado desabou.

Desde lá, o Caixeiral, carinhosamente chamado de Caxixa, deixou oficialmente de funcionar, com o fechamento do restaurante e da biblioteca, que já não funcionava.

Em meio a pendengas judiciais e à existência de um quadro com poucos sócios, o prédio do histórico Caxixa vai sofrendo com a ação do tempo. Na parte que fica na Rua Alberto Pasqualini (antiga Rua 24 Horas), o reboco das paredes está caindo e há plantas crescendo.

Telhado do clube desabou há seis anos, comprometendo estrutura/Foto: PMSM

UM BREVE HISTÓRICO DO CAXIXA

  • Fundado por um grupo de caixeiros (comerciários e comerciantes) em 14 de fevereiro de 1886, defendia interesses de classe, como o descanso dos empregados, e atividades culturais e recreativa
  • Inicialmente, a primeira sede foi instalada em 28 de março de 1886 em um sobrado que existia na esquina das ruas Dr Bozano e Duque de Caxias, onde hoje fica o Edifício Dalcol
  • Em 1896, o então presidente do Caixeiral, Henrique Ribeiro da Silva, doou ao clube um terreno para a sua primeira sede própria, na Rua Floriano Peixoto com a Astrogildo de Azevedo, onde hoje está o prédio do Centro de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
  • A partir de 1919, o Caixeiral alugou as instalações do Clube Ginástico Alemão, na Rua Silva Jardim, retornando, dois anos mais tarde, a sede da Floriano Peixoto
  • A atual sede, que seria a definitiva, na Rua do Acampamento nº 39 foi finalizada em outubro de 1926. No entanto, até a construção do Edifício Taperinha, nos anos 50, o Caixeiral não ficava na esquina, pois antes não existia a Rua Alberto Pasquinlini
  • O prédio da Acampamento foi projetado por Olympio Lozza, seguindo o projeto de autoria do arquiteto alemão Theodor Wiederspahn. A edificação é considerada um exemplo de progresso e modernização, rompendo com a arquitetura do período colonial
  • Por anos, o Clube Caixeiral sediou bailes de debutantes e principalmente bailes de Carnaval, entre eles o Baile de Gala e Fantasia, que reunia carnavalescos e celebridades de todo o Estado.
  • Durante um período, nos anos 80, sobretudo, o clube também sediava shows e boates com som mecânico
  • O Caixeiral também tinha um restaurante e sediava grupos que disputavam partidas de bolão, uma das últimas atividades a encerrar
  • O incêndio da boate Kiss em 27 de janeiro de 2013 também abalou clubes da cidade, que tiveram que readaptar a suas instalações. No caso do Caixeiral, como o prédio tinha dois andares e escadaria, foi difícil a adaptação às novas regras
  • O golpe derradeiro no clube histórico viria na madrugada de 6 de fevereiro de 2018, quando parte do telhado desabou, resultando no fechamento da última atividade lucrativa, o aluguel da parte térrea para bares e restaurantes
  • Em 1º de fevereiro de 2021, durante um período de chuvas, a Prefeitura interditou o último piso do Caixeiral e o entorno do clube, incluindo a calçada em frente à sede, na Acampamento, e na parte dos fundos, na Alberto Pasqualini (antiga Rua 24 Horas)
  • Em 28 de julho de 2021, o Município de Santa Maria ingressou com uma ação judicial para que o clube removesse a parte restante do telhado do imóvel e a sua substituição, entre outras exigências
  • Ainda em 2021, surgiu uma proposta de venda do prédio avaliado entre R$ 12 milhões R$ 15 milhões. Em fevereiro de 2022, uma assembleia de sócios aprovou a venda da sede por R$ 8 milhões
  • Em meio a pendengas judiciais, a Justiça nomeou uma empresa como interventora, a quem cabe administrar a situação do clube
Foto histórica de Venancio Schleiniger mostrar o Clube Caixeiral em construção

Caixeirais surgiram como espécie de sindicato

Os clubes que levam o nome de Caixeiral surgiram entre 1879 e 1890, em cidades gaúchas, conforme explica Paulo Cesar Borges Duarte, em artigo de Mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Em sua pesquisa, Duarte levantou os objetivos da fundação dos Caixeirais em 12 cidades gaúchas: Pelotas, Porto Alegre, Bagé, Santana do Livramento, Jaguarão, Santa Maria, Alegrete, São Gabriel, Rio Grande, Cachoeira do Sul, Uruguaiana e São Sepé.

Surgidos no fim do Império, esses clubes funcionavam como uma espécie de sindicato em que os associados defendiam seus interesses de classe.

Mais flexível, Caxixa de Santa Maria unia empregados e empregadores

A maioria dos Caixeirais era constituída por caixeiros (empregados do comércio), embora alguns clubes, como o de Santa Maria, permitissem que patrões também integrassem seus quadros.

No entanto, uma causa comum unia todos: a defesa do descanso dos caixeiros. Em outras palavras, conforme a pesquisa de Duarte, o fechamento do comércio nos feriados e domingos.

Clube também representava os artistas

Mas, além desse lado reivindicatório, os caixeiros também estruturaram seus clubes para atividades culturais, com a instalação de bibliotecas, e de lazer e recreação, com bailes e outras atividades.

Em sua pesquisa, Duarte explica que os Caixeirais chegaram a se aproximar do movimento operário da época. Contudo, eles tinham mais proximidade com seus empregadores, desde que estes defendessem a causa principal, que era o bem-estar dos empregados.

O Caixeiral de Santa Maria teve, ainda, uma pecualiaridade ao defender também os interesses dos artistas. Entre as metas da época de sua fundação, o Caxixa santa-mariense pretendia fundar uma escola para os associados, “criar uma biblioteca e proteger os sócios desvalidos, doentes e desempregados”.

Associados publicavam jornais

O Caixeiral santa-mariense também foi tema de uma dessertação em Patrimônio Cultural na UFSM do arquiteto e urbanista Alex Scherer Porporatti. Ele diz que o clube surgiu “com o intuito de promover e difundir o conhecimento”.

Para isso, os associados lançaram o jornal O Combatente, em janeiro de 1887. Primeiro veículo oficial do clube, o Combatente era publicado aos domingos, permanecendo como órgão oficial do Caixeiral até 1889. NO mesmo ano, foi lançado o 28 de Março, segundo jornal oficial do clube.

“Os jornais escritos e dirigidos por caixeiros se tornaram importantes ferramentas de luta e resistência da classe”, disse Porporatti em uma entrevista concedida em 2022 à então acadêmica de Jornalismo Gabriela Leandro, voluntária, à época, da Agência de Notícias da UFSM.

CONFIRA NOS LINKS ABAIXO, MATÉRIAS SOBRE O CAIXEIRAL PUBLICADAS NO SITE DA PREFEITURA

INTERDIÇÃO: 1º de fevereiro de 2021

VISTORIA DA PREFEITURA E ADMINISTRADORA JUDICIAL: 2 de junho de 2022

INTERVENÇÕES PARA SEGURANÇA: 22 de julho de 2022

AVALIAÇÃO DE OBJETOS HISTÓRICOS: 26 de julho de 2022

COLETA DE MATERIAL HISTÓRICO E INSTALAÇÃO DE TAPUMPES: 3 de agosto de 2022

SELEÇÃO DE OBJETOS HISTÓRICOS: 12 de setembro de 2022

*A reportagem também utilizou como fonte um artigo do arquiteto e professor Luiz Gonzaga Binato de Almeida publicado no jornal A Razão em 11 de agosto de 2010

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