ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
O provão foi instituído no vestibular de 1978. Eram 80 questões de caracter classificatório abrangendo todo o conteúdo. Esse provão aconteceu, apenas, naquele ano.
Lembro bem porque foi o meu primeiro vestibular e um excelente desempenho em matemática. Meu pai disse que eu “lavei a égua” e meu avô, que eu estava na “ponta dos cascos”.
Das 10 questões do provão e as 25 do vestibular, apenas uma ficou sem resposta, ou melhor, chutei na errada. Na disciplina de matemática eu estava afiado.
No entanto, em física e química a égua ficou suja e não era bem na ponta dos cascos que eu estava. E por esse motivo, no vestibular de 78, eu entrei em segunda opção no Curso de Ciências.
Na verdade, aqui começa a crônica. A primeira aula na UFSM lá no Centro de Educação.
O curso de Ciências oferecia 160 vagas. Como havia uma sobra, elas eram preenchidas com os vestibulandos que optavam pela segunda opção.
Muitos que não logravam aprovação em Engenharia, Medicina, Odontologia, Fisioterapia e outros, também concorridos, cursavam um ano de Ciências para tentar novo vestibular.
No curso de Ciências havia uma disciplina, no primeiro semestre, que se chamava “Psicologia da Educação”. No momento não lembro quem era a mestre, apenas alguns detalhes da sua estampa e estilo, e também não lembro dos colegas.
Estávamos na sala de aula numa manhã de sol fraco e após fortes emoções pelos trotes à que fomos submetidos.
De repente, entrou no recinto uma baixinha espaventada, com nariz empinado e peito caído, disse que era a professora da disciplina e solicitou que cada um se apresentasse contando um pouco de sua vida.
Após, sugeriu uma bibliografia e concluiu falando alguma coisa sobre a importância da psicologia na educação e elogiou o governo do presidente Geisel.
Falou mal do prefeito e bem do reitor. O que eu não entendi bem o porquê. Anotei atentamente os livros sugeridos, mas horas depois jogaria num lixo no corredor do Centro. Para esquecê-los em definitivo.
Então, a professora, do peito empinado e do nariz caído, dividiu a turma em três grupos. Chegou diante do nosso grupo e apontou para mim.
– Tu vais ser o pai!
– Eu?
Apontou para os demais membros do grupo e afirmou.
– Tu vais ser a mãe, vocês dois os filhos e tu, que é gostosa, a empregada doméstica!
Achei aquilo tudo muito estranho. Termos deselegantes para com a caloura.
Passou para os demais grupos e fez a mesma distribuição de tarefas. Colocando nos outros grupos, por falta de gostosas, um mordomo e um jardineiro. No final, falou para todos.
– Na próxima aula vocês deverão representar o cotidiano de uma família. Cada grupo terá 20 minutos para sua apresentação, depois nós faremos um debate acerca das situações familiares encenadas.
Teatrinho! Pensei cá com os meus botões paternos.
Para encurtar o relato.
Deixei minha família órfã de pai. Ora, um tímido missioneiro recém-chegado na Boca do Monte não viria para a Universidade Federal de Santa Maria para fazer teatrinho. O que iriam pensar meus pais maragatos e meus vizinhos chimangos?
Não assisti a aula seguinte e não lembro mais do nome da professora e da fisionomia dos colegas, essas imagens se perderam nos anos e estão difusas.
Também não sei como foi o desempenho da família sem a figura paterna. E, para falar a verdade, não fiquei sabendo para que serve a tal Psicologia da Educação.
Hoje, acredito ser de muita importância, mas tenho que me dar um desconto, eu tinha apenas 17 anos em 1978. Eu era um pirralho sem talento para encenação.
No ano seguinte, sem teatro e com muitas integrais e derivadas eu ingressei na faculdade de engenharia Civil, um curso embasado, unicamente, nas ciências exatas. O curso tão sonhado e desejado para o qual havia me preparado. Afinal eu era fera em matemática.
Abandonei o curso de Ciências. Não encontrei mais a professora nem os colegas. Uma vez, ou outra, cruzei com algum remanescente da minha ex-família pela biblioteca ou pelo RU. A professora deve ter feito uma operação no nariz ou nos seios, sei lá. A Medicina tem avançado muito.
Alguns meses após a minha desistência eu encontrei um colega que disse que o teatrinho fazia parte do trote e que a professora, do nariz empinado e do peito caído, na verdade, era uma veterana do curso numa performance. Mas aí era tarde demais. O mundo havia perdido um cientista.