Paralelo 29

CRÔNICA DO ATHOS: A venda do João Polenta

Foto: Reprodução

ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR

João Polenta era um maragato dos quatro costados. Tinha enorme orgulho de ser filho, neto e bisneto de maragatos e salientava “de pai e mãe”. Não havia rodeios e nem lero-lero. Vinha de tradicional família lenço vermelho até ao pescoço… literalmente.

Seus antepassados eram maragatos de faca na bota – gaúchos sempre dispostos a entrar numa peleia –, mas herdara a venda do velho Clarimundo, valente pelejador que se aposentou das escaramuças no pampa e tinha um pequeno comércio em frente à praça da Matriz em Bagé. O apelido “Polenta” surgiu logo nos primeiros meses em que se tornara herdeiro do bolicho do pai.

João Polenta odiava ser chamado de João Polenta. E poucos sabiam o porquê daquela alcunha. Por vezes, quando se irritava ao ser chamado de Polenta ele remontava às caudilhescas façanhas de sua ascendência, principalmente ao Torquato Plácido, que de plácido não tinha nada.

O bisavô era ajudante do doutor Ângelo Dourado em 93 e nas horas vagas praticava degolas. E com isso seu João sempre perguntava para quem o chamava de João Polenta.

– Tu sabe quem foi Torquato Plácido, amigão de Adão Latorre? Pois sou bisneto dele – e cravava violentamente uma faca prateada no balcão.

– E eu não sou plácido – complementava.   

Se o cliente era maragato deixava permanecer no recinto, mas de bico calado. Se o taura fosse chimango era convidado, gentilmente, à moda João Polenta, a se retirar do bolicho.

Mas se o maula fosse chimango, bagunceiro e borracho era levado pelo cangote e jogado no meio da rua. João Polenta estava perdendo a paciência com seus conterrâneos.

Não havia mais respeito com as pessoas. Esse mundo está virado. Não havia mais maragatos – e nem chimangos – como antigamente. O velho fio-de-bigode tinha ficado lá no passado.

Certo dia, João Polenta levantou de guampa torta e falou para a esposa, Clarinha, e seu filho, João Júnior.

– Vamos embora para Porto Alegre – taxativo, não tinha discussão.

A decisão foi amadurecida quando soube, por conta de um guasca que havia bebido além da conta e falava em demasia, que seu filho estava sendo chamado de João Polentinha. E foi mais um pinguço levado pelo cangote até o meio da rua.

– Um mamado a menos na minha venda. E Polentinha é a vovozinha! – falou bem alto e deu um pontapé na bunda do chimango. Voltou e fechou as portas do bolicho.

Em Porto Alegre seria apenas Seu João. Simplesmente João. O bolicheiro com mulher e filho vindos de Bagé. João alugou uma casa na rua da Praia e abriu o armazém no melhor estilo da tradição de vendas lá na Rainha da Fronteira. Bolicho do João estava entalhado em madeira numa placa pendurada na porta.

Numa tarde tranquila em que seu João pitava um palheiro atrás do balcão – ostentando o garboso lenço colorado – e lembrando de suas idas e vindas com os borrachos da fronteira, ouve um grito vindo lá do meio da rua da Praia.

– João Polenta! Mas que baita prazer te encontrar aqui na capital!

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