Paralelo 29

FABIO VACONCELOS: Tragédias, sintomas e erros

Foto: Gustavo Mansur, Palácio Piratini
FABIO VASCONCELOS – Arquiteto e urbanista, Psicanalista Clínico e Teólogo*

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul não é apenas um evento isolado, mas um sintoma de um problema maior e mais complexo que afeta as cidades em todo o mundo: o desafio do planejamento urbano em face das mudanças climáticas e do crescimento desordenado.

Historicamente, o urbanismo brasileiro foi influenciado por diferentes correntes de pensamento. No início do século XX, os sanitaristas desempenharam um papel crucial ao priorizar questões de saúde pública e promover a adoção de medidas para melhorar as condições sanitárias nas cidades.

No entanto, essa abordagem muitas vezes negligenciava outras preocupações estratégicas e ocupações urbanas desordenadas, além de não prever resiliência às mudanças climáticas e a proteção contra desastres naturais.

Por outro lado, o movimento modernista do século XX trouxe consigo uma visão utópica de cidades planejadas de forma racional e ordenada. Inspirados por ideais de progresso e eficiência, os urbanistas modernistas propuseram projetos ambiciosos que buscavam transformar as cidades em espaços mais funcionais e esteticamente agradáveis.

No entanto, esses planos muitas vezes ignoravam as características naturais das regiões, suas heranças históricas e as necessidades das comunidades locais, resultando em intervenções urbanas mal concebidas e desconectadas da realidade.

Diante desse histórico, é evidente a necessidade de uma abordagem mais holística e integrada no planejamento urbano para evitar catástrofes de várias naturezas.

Isso significa reconhecer a interconexão entre diferentes aspectos da vida urbana, incluindo saúde pública, meio ambiente, infraestrutura e bem-estar comunitário.

No caso do Rio Grande do Sul, a região foi atingida por um volume significativo de chuvas, que resultou no transbordamento de rios e afluentes e na inundação de áreas urbanas a partir do Vale do Taquari.

Muitas vezes, áreas de risco, como margens de rios e encostas de morros, são ocupadas por habitações informais e construções irregulares, aumentando a vulnerabilidade das comunidades a eventos climáticos extremos.

A falta de infraestrutura adequada também contribui para o agravamento das enchentes. Sistemas de drenagem inadequados, canais obstruídos e falta de áreas de amortecimento natural podem dificultar o escoamento das águas pluviais, aumentando o risco de inundações.

Falhas no planejamento urbano, como a ausência de políticas de zoneamento eficazes e a falta de investimento em infraestrutura de proteção contra enchentes, contribuem para a vulnerabilidade das áreas urbanas a eventos extremos.

Para enfrentar esses desafios, é fundamental implementar medidas eficazes de gestão de águas pluviais e promover práticas de ocupação do solo mais sustentáveis. Isso inclui a realização de programas de limpeza e desobstrução de rios e córregos, a construção e manutenção adequada de barragens, diques e áreas de escape.

Medidas inegociáveis para prevenir futuras tragédias é a implementação de políticas de zoneamento mais rigorosas, que desencorajem a ocupação de áreas de risco e incentivem o desenvolvimento em locais mais seguros.

Isso pode ser alcançado por meio de restrições de construção, incentivos fiscais para projetos sustentáveis, investimentos em infraestrutura de drenagem e contenção de águas pluviais.

Também é importante investir em tecnologia, para entrar definitivamente no século XXI na gestão urbana e na gestão de crise das cidades.

Sistemas de alerta precoce e em infraestrutura de resposta a desastres para ajudar as comunidades a se prepararem e responderem rapidamente a eventos extremos.

Ao adotar uma abordagem integrada e proativa para o gerenciamento de enchentes, podemos reduzir significativamente os impactos das chuvas e proteger as comunidades locais contra futuras tragédias.

Investimentos em infraestrutura verde também desempenham um papel crucial na prevenção de enchentes e na promoção da sustentabilidade urbana.

Parques, áreas de preservação ambiental e sistemas de drenagem sustentável não apenas ajudam a mitigar os impactos das enchentes, mas também contribuem para a qualidade de vida urbana, proporcionando espaços de lazer e contato com a natureza.

Além disso, é fundamental promover a participação pública no processo de planejamento, garantindo que as comunidades locais participem e sejam ouvidas.

Isso não apenas ajuda a identificar soluções mais adequadas às necessidades locais, mas também promove um senso de pertencimento e responsabilidade popular em relação ao espaço urbano.

Em última análise, uma abordagem holística para o planejamento urbano reconhece que as cidades são sistemas complexos, compostos por uma multiplicidade de elementos interconectados.

Ao considerar cuidadosamente esses elementos e buscar soluções integradas, podemos criar cidades mais protegidas, resilientes, sustentáveis e inclusivas para as gerações futuras.

Resumidamente, a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul foi o resultado de uma série de fatores interrelacionados, incluindo a negligência dos eventos climáticos extremos, a ocupação desordenada do solo, a fragilidade de políticas públicas, a falta de infraestrutura robusta e adequada, e as falhas históricas no planejamento urbano.

Onde nós erramos?

*Fabio Vasconcelos foi vice-presidente do Instituto de Planejamento (Iplan) do governo Cezar Schirmer, em Santa Maria

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