Confira, na íntegra nota de moradores, que falam, inclusive, em intervenções no morro antes do deslizamento com morte
Em nota divulada neste sábado (11), Moradores da Rua Canários e da Vila Nossa Senhora Aparecida (Churupa), no Bairro Itararé, contestam decisão da Justiça que determina a retirada imediata de quem vive nas casas que circundam o Morro do Cechella, em Santa Maria.
Na quinta-feira (11), depois de várias tentativas da Prefeitura de retirar moradores das duas áreas, que já foram interditadas pela Defesa Civil, o Ministério Público (MP) ajuizou uma ação civil pública contra o Município de Santa Maria e contra moradores que haviam saído e retornaram.
A Justiça deferiu uma liminar pedida pelo MP para que a Prefeitura providencie a remoção de moradores dessas duas áreas. Ainda na sexta, a Prefeitura reforçou, com carro de som, a necessidade de moradores evacuarem a Canários e a Churupa.
Também foi realizada uma reunião com a presença do prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) e de 10 moradores, mas não houve consenso.
Líder dos moradores da Rua Canário, Marcone Filipini, disse ao Paralelo 29 na última terça-feira (7), durante uma ação de interdição da Defesa Civil, que o morro não corre risco de desabar. Marcone disse que a comunidade iria contratar um geólogo para elaborar um laudo técnico em contraposição aos laudos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
CONFIRA A NOTA DOS MORADORES
Manifestação Pública dos Moradores da Rua Canários e da Vila Churupa:
O Rio Grande do Sul enfrenta um cenário devastador causado por fortes chuvas que tiveram início em 24 de abril e se intensificaram a partir do dia 29.
No dia 01 de maio, Santa Maria foi o local que mais choveu no mundo. Neste dia, nós moradores e moradoras da Rua Canários fomos surpreendidos com um deslizamento de terra do Morro do Cechela, que vitimou 2 moradoras.
Ainda no dia 01 de maio, após determinação da Defesa Civil, de que um trecho da rua era considerada área de risco, aos gritos e de maneira truculenta, dezenas de famílias tiveram que deixar suas casas, umas foram para abrigos, e outras foram para a casa de parentes, em outros lugares da cidade.
Desde o início deste drama, informações não oficiais davam conta de que não seria mais permitido que voltássemos para nossas casas e que a intenção do poder público municipal era de derrubar nossas moradias com máquinas. Até ontem não tínhamos nenhuma informação do prefeito municipal, ou mesmo de secretários, sobre como se daria este processo.
Já passaram-se 10 dias e a falta de transparência sobre o que pretende o Poder Executivo Municipal continua.
Na última sexta-feira, também ocorreu pela manhã, a primeira reunião de um grupo de moradores da Rua Canários e da Vila Churupa com o prefeito municipal, o vice-prefeito, o procurador do município e o secretário de habitação.
Nesta reunião, nos foi informado apenas que a Câmara de Vereadores havia aprovado um aluguel social para os atingidos pela calamidade pública, e que não poderíamos voltar para nossas moradias, mesmo após o fim da calamidade, mas sem apontar qualquer outras medidas. Ao fim da reunião o prefeito municipal fez o compromisso de que qualquer nova medida, só seria debatida após uma nova reunião, indicada para a próxima segunda feira.
No final da noite desta sexta-feira (10), nós moradores e moradoras da Rua Canários, em Santa Maria, fomos surpreendidos com uma decisão judicial determinando a saída imediata de moradores dos dois locais, inclusive de moradores que não estão na área em tese interditada.
A surpresa deveu-se a ausência de qualquer diálogo anterior, entre o Ministério Público Estadual (autor da ação) e os moradores, desde o início da crise que assola o Município de Santa Maria e o Estado do Rio Grande do Sul.
Até a manhã deste sábado, nós moradores da Canário e da Churupa não tivemos conhecimento do inteiro teor da decisão judicial.
Mas a simples informação de que a decisão determinava a remoção de pessoas das comunidades atingidas, com o uso de força policial, foi suficiente para causar enorme sofrimento entre os moradores e moradoras, mesmo nos que estão em abrigos e casas de parentes. Moradores choraram e alguns, com mais idade, passaram por mal estar em função da possibilidade de ver destruídas as suas moradias.
Na reunião da prefeitura a informação era de que medidas seriam tomadas para preservar a vida, o que mostrou-se uma mentira, pois não preserva-se a vida desrespeitando e causando sofrimento aos que ainda estão vivos.
Desde o dia 02 de maio, dia seguinte ao deslizamento que causou duas mortes e destruição, viemos denunciando que em momento anterior ao deslizamento, foram feitas intervenções no alto do Morro do Cechela, na estrada que leva a um reservatório da Corsan.
Aproximadamente 15 valetas haviam sido feitas de modo a direcionar a água que antes corria pela estrada para o pé do morro e para dentro da Rua Canários. Até o momento não temos a informação sobre quem ou que entidade fez esta intervenção no Morro do Cechela.
Acreditamos que essa tragédia pode ter ocorrido não por força da natureza, mas por ação humana, assim como o sofrimento a que estamos submetidos neste momento.
Estamos tentando, desde a ciência da decisão, nos habilitar na ação judicial e abertos ao diálogo para resolução do impasse, buscando sempre a preservação das vidas e da dignidade.
Diante disso, fazemos um chamamento ao diálogo, ao respeito aos direitos humanos, para com nossas comunidades.
Já temos recebido manifestações de apoio e solidariedade de outras comunidades e movimentos sociais, como a Vila Resistência, Teia dos Povos, Movimento Negro Unificado – MNU, Conselho Municipal de Igualdade Racial – COMPIR, e GUANDU Agroecologia.
Continuaremos em luta por moradia digna, em defesa das nossas famílias, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
Moradores da Rua Canários e da Vila Churupa