Paralelo 29

EICHBAUM: Explicando o inexplicável

Foto: Valter Campanato, Agência Brasil
JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR

Na primeira infância, não há criança que, recriminada por algum mal feito, reconheça prontamente o erro e dê a mão à palmatória.

Se houver, será uma raríssima exceção, porque a criança, que ainda não consegue raciocinar, obedece unicamente à lógica dos sentimentos. Quer dizer, são os sentimentos que lhe ditam todas e quaisquer respostas, quando inquirida ou instada a falar, expondo razões.

Bem servido foi, com tais pensamentos, o humor de quem leu, no Estadão, um artigo da lavra de Luís Roberto Barroso, intitulado “O STF que o Estadão não mostra”.

Para quem não sabe, ou não se lembra, o autor é o atual presidente do STF. Pois, o que aconteceu foi exatamente isso: recriminado o referido tribunal em vários editoriais do Estadão, mercê de atitudes, pronunciamentos ou decisões que soam mal, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista da deontologia judiciária, veio a público o senhor Barroso dar suas explicações, em nome da instituição por ele presidida.

No espaço deixado pela escassez de razões, sobram sentimentos. O primeiro deles é o da injustiça, estampado no título do artigo “O STF que o Estadão não mostra”, e esclarecido pela queixa de que “não é justo criticar o Tribunal por aplicar a Constituição”.

Ora, o STF foi criticado por se desgarrar da Constituição, reivindicando papéis no melodrama político e social. E não são críticas genéricas, mas consubstanciadas em fatos amplamente conhecidos. Um dos muitos fatos conhecidos, e alvo das mais duras críticas, foi a imposição de uso de câmeras na farda de policiais.

E a desculpa do Barroso se esfarrapou assim: “há quem ache que a violência policial descontrolada contra populações pobres é uma boa política de segurança pública. Mas não é o que está na Constituição”.

Nem podia estar na Constituição. A Constituição se limita a definir a competência da polícia. Abusos e violência são questões atinentes às leis penais.

Se “não está na Constituição”, compete ao Legislativo, e não ao STF, a criação de normas de segurança. O Estadão criticou o STF pelo que ele não fez: zelar pela Constituição.

Ninguém conseguirá conter o riso, fustigado pelo deslumbre do senhor Barroso, que força a lembrança dos bons tempos de criança: “somos o tribunal mais transparente do mundo”.

Quem se lembrar da madrasta da Branca de Neve, certamente adotará essa versão: espelho, espelho meu, haverá no mundo algum tribunal mais transparente do que eu?

O ministro quer aplausos. Mas, quem merece aplausos é o artista, que demonstra habilidade na execução da arte. Funcionário público não é artista.

Não merece aplauso só por cumprir seu dever. O STF sofreu e sofre críticas por se ter refugiado na sombria ambivalência de legislador e juiz, usando o Direito para animar uma coreografia política.

O dever do juiz é julgar, simplesmente julgar, adstrito à sua competência funcional, que não é fazer o bem, e muito menos o mal, como deixar morrer à míngua prisioneiros que estão sob sua custódia e que têm o direito fundamental à vida…

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