Entidade questiona porque quase 20 adolescentes da Regional de Santa Maria não têm o direito de conviver com a família nem frequentar escolas regulares
PARALELO 29*
O Semapi, sindicato que reúne servidores de fundações estaduais do Rio Grande do Sul, entre elas a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) divulgou uma nota contundente em que critica “a Justiça seletiva” no caso de três adolescentes internados em Santa Maria por ato infracional análogo a estupro de vulnerável.
O caso ocorrido em uma festa de estudantes de escolas particulares, todos adolescentes, foi noticiado em primeira mão pelo Paralelo 29 e acabou ganhando repercussão estadual depois que o Tribunal de Justiça, a pedido do MP, determinou a internação de três menores.
Três meninos e uma menina, os quatro de 15 anos, foram apontados pela Delegacia de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA) por estupro de vulnerável, entre outros atos infracionais.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público do RS (MPRS) representou contra os quatro adolescentes, requerendo à Justiça a aplicação de medidas socioeducativas. Dos quatro, apenas a menina não foi internada. O processo tramita em segredo de Justiça e deverá ter audiência de instrução.
Aberração jurídica
A nota contundente do Semapi critica o que chama de “aberração jurídica” ocorrido em santa Maria com os adolescentes suspeitos de cometer o ato infracional de estupro de vulnerável.
“O que chama a atenção, no entanto, é que três estão em internação provisória em unidade de semiliberdade, podendo sair durante o dia para estudar e visitar suas famílias aos domingos, das 8h às 18h, segundo o Ministério Público”, diz a nota.
De acordo com o sindicato, a decisão “desconsidera o critério de igualdade material, uma vez que apenas os adolescentes com maior acesso a recursos financeiros e redes de proteção social tiveram garantido um regime excepcional”, afirma a nota.
Afronta ao ECA
Essa distinção, segundo o Sempai, afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
“Com isto, o Judiciário cria uma espécie de medida sob medida, que ignora a fila de quase 20 adolescentes que cumprem a medida de internação fora da Regional de Santa Maria, sem qualquer flexibilização”.
O Semapi diz, ainda que a “seletividade” da decisão “reproduz e reforça padrões discriminatórios estruturais”. “
“O mesmo Estado que é rigoroso e inflexível com adolescentes pretos, pobres e moradores das periferias é complacente e benevolente com aqueles cujas famílias podem pagar advogados caros ou mobilizar capital social”, aponta a nota, classificando o caso como “apartheid jurídico”.
A nota diz também que o objetivo do Sindicato é pressionar o juízo local para que reavalie com urgência a adoção de critérios objetivos e equânimes para não aprofundar ainda mais a exclusão de adolescentes já vulnerabilizados – muitos deles internados longe das famílias, principalmente na capital Porto Alegre.
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Relembre os fatos
Conforme a DPCA, um grupo de adolescentes, todos estudantes de 15 anos de escolas particulares de Santa Maria, fizeram uma festa na casa de um deles em 16 de maio. Houve consumo de bebida alcoólica e um dos menores passou mal.
No quarto onde estava, a vítima, um menino, foi alvo de estupro de vulnerável com uma barra de ferro de aparelho de academia de ginástica.
A cena foi filmada e teria ocorrido compartilhamento do vídeo. Por isso, dois dos quatro adolescentes também são apontados por ato infracional análogo a fornecer bebida alcoólica para menor de idade e por divulgar cena de pornografia infantil. A Justiça manteve a internação dos três adolescentes na audiência de custódia.
O Paralelo 29 enviará questionamentos ao MPRS e ao Judiciário local. Os advogados da vítima e dos adolescentes envolvidos disseram que não podem se manifestar pelo fato do caso estar sob segredo de justiça.
(*Com informações do Simape)