Paralelo 29

CRÔNICA: JOÃO EICHBAUM: O sonho dos meninos

JOÃO EICHBAUM

Advogado e escritor

O alicerce social e econômico daquela Santa Maria bucólica, castigada por ventos e cerrações que a deixavam mergulhada num bafo quente, era a ferrovia.

O trem representava a magia que vencia distâncias, e a locomotiva, um fascínio: poucos eram os meninos que não sonhavam em ser maquinistas.

Nem mesmo o estrelismo de jogador de futebol, aspiração dominante naquela idade sonhadora, alimentava tantos desejos.

JOÃO EICHBAUM: O Fronteira

Mas aqueles que sonhavam com o futebol, não excluíam de suas aspirações o desejo de ser ferroviário. Nada impedia a um ferroviário a glória do futebol. Santa Maria era nosso mundo, nosso planeta.

E aqui tínhamos as estrelas que brilhavam no firmamento da bola e apareciam nas manchetes de A Razão.

Jogando no Riograndense, fez história no futebol da cidade como respeitável zagueiro, um senhor de vastos bigodes, que se movimentava meio encurvado no campo: o Natalício.

EICHBAUM: O alto falante do ceguinho

Ele não tinha ares de artista, nem postura elegante de atleta. Operário das oficinas da Viação Férrea, acostumado a lidar com ferro, tratava o adversário sem nenhum apuro, na hora de disputar a posse da bola.

Já Plein, um loiro esbelto, tratava a bola com elegância e, em vez de chutões, voava de peixinho, para alimentar o ataque pelo alto.

Riograndense contra o Bangu (RJ), em 1957. Em pé: Ernesto Ferreira de Deus (dirigente) – Canelão – Antoninho – Ramiro – Milton – Juquinha – Paulinho e Duda. Agachadaos: Natalício – Biquinha – Salatiel – Mariano – Jaime – Ferrinho e Waldemar. (Foto:Arquivo do jornalista Cândido Otto da Luz e publicada no livro “Riograndense Futebol Clube – No coração gaúcho 100 anos do rubro-esmeraldino”)

EICHBAUM – Crônica: O apito que pedia socorro (II)

Era companheiro de Natalício, não só na zaga como também nas oficinas da Viação Férrea. Revezava a zaga do “Periquito” com Plein outro ferroviário, Ilmo Finger, que se ocupava da manutenção de locomotivas e vagões nas oficinas e, dos artilheiros, no futebol.

O Riograndense, enfim, tinha raízes fincadas na ferrovia. A imprensa o tratava carinhosamente pela alcunha de “Ferrinho”, o verdoengo do Estádio dos Eucaliptos.

Dizia-se que o Internacional era o clube da elite. A maioria de seus jogadores trabalhava nos Correios e Telégrafos, uma entidade burocrática. Para todos efeitos, o Riograndense era o time dos ferroviários e o Internacional, dos Correios. Já o Guarani selecionava seus craques na várzea, sendo seu maior patrocinador a fábrica de balas Atlântico.

JOÃO EICHBAUM : Crônica de uma cidade com duas histórias

Era assim Santa Maria: uma cidade engrandecida pela ferrovia, que celebrava seus domingos com futebol.

E ferrovia e futebol eram grandezas propícias para acalentar os sonhos dos meninos, enquanto a vida não lhes desse motivos para deles desistirem.

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