Paralelo 29

LARRÉ: O Maneco, Seu Antoninho e Seu Antonello

Colégio Estadual Manoel Ribas/Foto: Grupo Ex-alunos do Maneco, Facebook

LUDWIG LARRÉ

Jornalista

Meu glorioso e majestoso Colégio Estadual Manoel Ribas – o Maneco –, templo do saber daqueles tempos em que o saber ainda era cultuado, foi fundado em 10 de outubro de 1953.

O prédio foi construído na década de 1920 pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e, inicialmente, sediou a Escola Santa Terezinha, que oferecia ensino profissionalizante para moças.

A construção em “L” aberto tem o vértice em uma das esquinas do quarteirão, e as duas alas se estendem até as esquinas seguintes. O “L” oposto tem muros que delimitam o pátio de nossa fortaleza do conhecimento. O sotão, com pé-direito alto, projeta clarabóias sobre o telhado como sentinelas da sabedoria.

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De todas as janelas da ala leste e parte da ala sul – tanto das salas de aula, voltadas para a rua quanto dos corredores internos, voltados ao pátio – vislumbra-se a Geografia dos morros e os trilhos da História ferroviária do Coração do Rio Grande.

Meu apego é tamanho, que chego a ter memória olfativa dos aromas incrustados pelo tempo ao madeirame dos assoalhos e das tesouras do telhado e dos forros.

O cheiro da cantina e das floradas de primavera; do mofo, velho companheiro de resistência na sala do Grêmio Estudantil e de assembléias, música e teatro no auditório do subsolo.

O belo prédio do Maneco é da década de 20/Foto: Grupo dos Ex-alunos do Maneco, Facebook

Lembranças tão sólidas quanto aqueles alicerces e colunas da minha formação escolar, paredes de quase 40 centímetros de espessura.

Livros, cerveja & rock´n´roll

Dentre as muitas memórias de mestres inesquecíveis, de colegas cujo afeto resiste ao calendário, do carinho e dedicação dos servidores do colégio, há dois dos personagens de episódios folclóricos da vida escolar: Seu Antoninho e Seu Antonello.

Zelador e faz-tudo, Seu Antoninho morava com a família em um apartamento no subsolo. A foto do colégio mostra, entre o muro e a fachada, o espaço do fosso e parte das janelas que supriam de ar e luz o porão.

Seu Antoninho era amigo de todo mundo, prestativo e sempre de brincadeira com a gurizada, mas às vezes não estava com o humor muito bom. E, Deus o livre chamá-lo pelo apelido de Zorro! Ficava furioso! Xingava e jogava a ferramenta que tivesse na mão contra o desaforado.

O apelido vinha de anos e ia passando de geração em geração de alunos. Contam que um grupo de estudantes do Maneco voltava a pé, já ao clarear do dia, de um baile lá no Esportivo, o Clube do Sopé do Morro.

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Naquela noite, um temporal havia deslocado telhas da cobertura, e a turma se depara com o Seu Antoninho caminhando pelo telhado contra o céu rubro do amanhecer pós chuva, de chapéu, capa de chuva preta e uma vareta na mão para limpar as calhas.

– Olha lá o Zorro! – gritou um gaiato para gargalhada geral.

– Zorro é a tua mãe, filho duma puta! – vociferou Seu Antoninho.

E já voou caco de telha na gurizada! Pronto! O apelido pegou e se perpetuou a cada nova turma que ingressava no Maneco.

Na minha época, virada dos anos 1970 para 1980, uma das molecagens preferidas se repetia cada vez que Seu Antoninho instalava o microfone para algum pronunciamento da direção ou outra atividade escolar que assim exigisse. A turma se adiantava no posicionamento diante do palco, esperando o teste de som.

Vista do pátio interno do Maneco/Foto: Grupo dos Ex-alunos do Maneco, Facebook

– Alô. Som. Um, dois. Testando – verificava Seu Antoninho.

– Zorro! – alguém gritava dissimuladamente entre a plateia.

– Zorro é a tua mãe, filho duma puta! – vociferava seu Antoninho ao microfone.

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Nosso querido Seu Antoninho, de pele clara e cabelos loiros, passava o resto do turno vermelho como um tomate de tão brabo, mas no dia seguinte tudo estaria bem.

Outro personagem querido e temido era Seu Antonello, auxiliar de disciplina, que já fora ecônomo da cantina. Ávido leitor de quadrinhos de faroeste e das aventuras do Tarzan, do Mandrake e do Fantasma em seus postos de vigia pelos corredores, presenteá-lo com uma revista do Tex representava saldo a abater em alguma reprimenda disciplinar.

(sobre Tarzan: o professor Darcy Mendes de Oliveira, que foi diretor do Maneco, por seu porte atlético, tinha o apelido de Tarzan.

Para o azar da vice-diretora, que passou a ser chamada de Jane, e sorte ainda pior do terceiro posto da hierarquia escolar, o saudoso professor Dinarte Marshall, o Chita para os sem modos)

Voltemos ao Seu Antonello. Era dele a incumbência de soar o sino que anunciava os horários de entrada, troca de períodos, recreio e saída. O sino original do colégio de DNA ferroviário era igual ao da Gare da Estação, que fica a uns 300 metros dali.

Quando ingressei no Maneco, esse sino já havia sumido e fora substituído por um pedaço de trilho, de quase meio metro, pendurado com arame em uma mão-francesa, junto à escada central de acesso ao pátio interno.

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Seu Antonello fazia o pedaço de trilho pendente badalar a marteladas. Chamávamos “O Martelo de An Thor Nello”.

O prédio da escola antes da última grande reforma/Foto: Ex-alunos do Maneco, Facebook

Controlar o martelo era controlar o tempo. Dar sumiço no “Martelo de An Thor Nello” garantia prolongar o horário de entrada, de troca de períodos e, principalmente, do recreio.

Não raro, algum de nós levava de casa um martelo entre os livros e cadernos. Numa manobra ousada, montávamos uma estratégia para distrair Seu Antonello, enquanto um dos meliantes batia a saída meia hora antes do previsto. Aí era estouro da tropa e ninguém segurava aluno em sala de aula.

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Nas manhãs de quarta-feira, quando o dia de períodos de aula mais curtos coincidia com o do Colégio Centenário, no outro extremo da cidade, era mau costume consagrado “bater antes do Antonello” e correr para ver as gurias do colégio particular.

Mais pura verdade! Pelo Martelo de An Thor Nello!

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