Domingos sobrevivia, dividindo entre gastos com saúde, alimentação, vestuário e as prestações do financiamento da casa própria, devidas ao IPE, os parcos proventos de cabo reformado da Brigada Militar.
Para espantar o fantasma de tantos sentimentos ruins, dedicava-se ao cultivo de hortaliças e ao trato do bicharedo que mantinha no galinheiro, garantindo-lhe algo mais para comer.
Ou ficava horas, entregue a pensamentos esparsos, contemplando a cidade de Montenegro, aos pés da colina onde morava. Surtos de psicose às vezes lhe esvaziavam a memória.
JOÃO EICHBAUM: Gente do futebol (II)
Uma tarde o surpreendeu a chegada de um oficial de justiça, intimando-o a comparecer no Foro, por ordem do doutor Juiz de Direito.
À sua pergunta, com palavras que lhe saíram trêmulas da boca, sobre qual motivo, o serventuário da Justiça deu de ombros: “não sei do que se trata”.
A expressão, que viajava entre o temor e uma angustiante incerteza, no rosto daquela imensa figura que apareceu no pouco que sobrou do vão da porta, não escapou aos olhos do juiz.
O magistrado procurou resgatar imediatamente, daquele mar de angústia, o gigante que nele se afogava, enquanto perguntava: “mandou me chamar, doutor”?
EICHBAUM: Gente do futebol
“Sim – respondeu o juiz, se levantando para ir ao encontro do recém chegado- mandei chamá-lo para abraçar você.
Você foi meu ídolo, Domingos. Muitas vezes pulei o muro do Riograndense, para torcer por você e pelo meu Inter, em Santa Maria”. E ao abraçá-lo, o magistrado sentiu as lágrimas de seu ídolo lhe vertendo no paletó.
Emocionado, Domingos quis devolver os mesmos sentimentos àquele que lhe resgatava a glória do passado: convidou-o a ir à sua casa.
Lá, foi sua vez de mergulhar o magistrado num mar de lembranças: medalhas, recortes de jornais, onde aparecia na capa o “gigante de ébano”, como o chamava a imprensa.
EICHBAUM: O sonho desfeito
E um gesto que acompanhou seu convidado pelo resto da vida: o autógrafo no verso de uma foto.
Domingos, Damião e Assis; Caçapava, Biga e Otacílio; Dom Pedrito, Libinho, Jonas, Semedo e Ildo. Com os jogadores, o técnico Dirceu Castilhos.
Sobre a foto, tirada atrás do pavilhão do Riograndense, marcando a história do tri-campeonato de 1943 a 45, se debruçam as saudades de um menino pobre, que um dia conseguiu abraçar seu ídolo.