Paralelo 29

PUJOL: Cuba não será Livre

JULIO PUJOL

Professor de História e consultor político

Fui duas vezes a Cuba. Como alguém que estuda a política e a sociologia e tem formação em história, ir a Cuba sempre foi um imperativo.

Ressalvando-se o respeito ao povo, governo, instituições, para um estudioso, e curioso, Cuba é um laboratório a céu aberto.

E meu olhar, atento, já no aeroporto, no Panamá, reparou naquelas dezenas ou centenas de cubanos regressando ao seu país com malas e mochilas enormes, maior e mais pesadas que eles próprios.

E regressando dos Estados Unidos… Nos discursos oficiais e midiáticos Cuba está cercada, mas os cubanos circulam pelos aeroportos. Querem as mercadorias ‘ocidentais’, do capitalismo. Isso em 2015.

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Participando de um congresso internacional no hotel Habana Livre, um hotel que foi luxuoso no final dos anos 1950, um Hilton Hotel, reparei que não nos forneciam a programação do congresso, mesmo depois da inscrição confirmada. Não tinha papel. Não tinha pasta do congresso.

Hotel Habana Livre, na capital Havana/Foto: Julio Pujol, Arquivo Pessoal

Havia apenas um mural onde as dezenas ou centenas de participantes se acotovelavam para poder ler a programação. Dos 4 ou 6 elevadores, metade estava estragada. Telefone e internet eram quase impraticáveis (isso que num hotel de turistas era o lugar que, em tese, deveriam ser praticáves)

Dentro do hotel, turistas e participantes do congresso. Nesse hotel encontramos o Jerônimo Jardim e o Pedrinho Figueiredo, que estavam lá para gravar uma música para o disco do Jerônimo.

Do lado de fora, e em toda a zona turística de Havana (hotéis, Malecon, museus, etc.) muitos cubanos praticando pequenos comércios (de fato não tinham muito o que vender), pedindo dinheiro, oferecendo serviços.

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São educados, respeitosos, mas conversam muito. Contam histórias, pequenas mentiras, pequenos golpes, tudo para conseguir um trocado.

E são insistentes. Grudam em você. Também há prostituição próximo aos hotéis. Discreta, ilegal, mas que gera em torno de si uma economia.

Cuba é o país da música, da alegria. Do charuto (chamado Puro), o melhor do mundo. Do melhor Rum também.

País aposta no turismo para estrangeiros/Foto: Julio Pujol, Arquivo Pessoal

Do “La Bodeguita del Medio”, que guarda fotos nas paredes de muitos artistas e políticos brasileiros que passaram por lá; do “Floridita”, que era frequentado por Hemingway; do Daikiri, da Cuba Libre e do Mojito. Habana Vieja, o bairro central, é uma festa de dia e de noite.

Turistas de todo o mundo. Sim, muitos americanos também. Aquelas excursões de terceira idade. Europeus, latinos, brasileiros.

E se Cuba é quase um paraíso, Varadero é o paraíso. Nãos os resorts que cubanos não frequentam, mas as praias, o mar, a areia, o sol, a rua, as pessoas, a noite, a música.

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Mas o povo é pobre. Não tem acesso a quase nada. O artesanato é pobre. A culinária é pobre, embora a fartura de frutos do mar.

Um músico me pediu o meu chapéu. Não havia um chapéu como aquele para vender no país. Embora fosse um comum Panamá.

Cuba tem o programa de saúde no bairro ou na quadra. Vi um dos seus postos de saúde. De fato existem. Mas sãos muito precários.

Existem, também nos bairros, os CDRs – Comitês de Defesa da Revolução. Sim, existem. Fotos de Fidel e do Chê por toda parte. De Camilo também.

Conversando com os cidadãos, todos conhecem a história da revolução, seus ganhos. Muitos, discretamente, reclamavam, como a dizer: Não é nada assim como lhe mostram as coisas. Passamos fome aqui, necessidades.

Os meios como jornais, televisão, rádio, gráficas, produtoras, são todos estatais. Assim como os restaurantes, os mercadinhos, que não têm quase nada. Lembro de uma cena, num mercadinho desses, as mercadorias em cima do balcão eram uma batata-doce gigante e uma abóbora. E só.

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Nas duas vezes que fui, e fiquei na capital, Havana, não vi um supermercado. Se existem, não los vi.

Não compreendia onde os cubanos compravam material de higiene, limpeza, alimentos. Além daqueles bolichos que não tinham nada.

Vista de uma avenida da capital cubana/Foto: Julio Pujol, Arquivo Pessoal

Amigos da esquerda, não estou falando mal de Cuba. Adoro lá. Aquelas crianças, todas, uniformizadas, a pé, caminhando para a escola.

No hotel Habana Livre (seria um 4 ou 5 estrelas) havia dias reservados nas piscinas para que as crianças cubanas fossem se divertir e treinar. Aquelas crianças morenas, no hotel de luxo.

Música na rua, música no hotel, música nos bares, música na praia… Aquele povo, até ingênuo, e meio malandro, sorridente. E sofredor.

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Um jornalista, tradutor, como motorista de taxi. Um médico psiquiatra no caixa de uma pequena loja, uma economista atendendo numa tenda de hotel, servindo rum para os clientes. A Lênia. Não esqueci esse nome.

A moça do artesanato que falava russo. Sim, muitos cubanos falam russo. E em Varadero muitos russos, brancos como leite, curtem o sol cubano. Lembro que um dia pela praia vinha uma linda mulher. Na frente três russos. Quando chegaram perto dela foram caindo pela areia um por um. Até ela sorriu. Os russos têm um humor próprio seu. Ingênuo e elegante.

Amigos, de tudo isso o que me ficou é que Cuba nunca será livre. Hoje o povo quer as coisas que o capitalismo oferece. Tudo.

Qualquer quinquilharia. Os cubanos querem os EUA. São ingênuos. Primários. Serão comprados e engolidos.

Cuba, cedo ou tarde, voltará a ser o “paraíso” que era antes da revolução. Um grande bordel: cassinos, máfia, dinheiro, luxo, carrões… e música, puros, rum… Os americanos comprarão. E não haverá lugar para os cubanos. Apenas poderão servir.

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Parece meio trágico, mas é isso que senti lá. Em termos de capitalismo, que virá, (porque o povo quer) eles são primaríssimos; os estrangeiros comprarão tudo o que interessa. E a preço de banana. Os cubanos serão empregados em sua própria terra.

Mais algumas observações: os chineses e suas mercadorias já estão lá. Creio que é o que de mais moderno há. Os carros da década de 1950 ainda continuam circulando. Tive uma pequena reação alérgica ao camarão do Caribe e pude comprovar que eles têm um sistema de saúde eficiente.

O cubano é um povo criativo (e alegre como já disse) que “se vira” como o brasileiro. Amam Fidel e Chê. Amam o Brasil. Adoram a Chica de Ipanema, Roberto Carlos, novelas brasileiras…

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Amigos da direita, Cuba não é um inferno. É uma vida difícil, sem dúvida. As liberdades têm limitações, é fato. O estado é onipresente. Mas não é uma sociedade militarizada, carrancuda, opressora. Não estão prendendo e matando pessoas nas ruas. É um povo que batalha.

Como tudo (ou quase tudo) é do estado, o esporte nacional é enganar o estado. Pequenos negócios, desvios de produção, pequenos subornos para se conseguir algo, uma mentirinha, uma história.

Mercado em Cuba/Foto: Reprodução

Bom, agora, com o auxílio dos EUA, que é especialista em destruir países, foi tirada a tampa da panela de pressão.

O que está acontecendo lá, agora, embora orquestrado de fora, era inevitável. Com a imensa circulação de turistas, com a internet, com o capitalismo tão perto e tão grande, não é possível mais um estado, um sistema e um regime fechado em si mesmo. Era inevitável.

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Torço para que o povo cubano consiga autodeterminar o seu futuro neste novo tempo que se abre. Custo a crer que consiga.

Uma última observação: o tal bloqueio pode estar durando 60 anos porque os EUA sabem que quando levantarem a tampa de Cuba, milhões e milhões de dólares que hoje estão no turismo interno se deslocarão para lá. Porque lá realmente é algo próximo de um paraíso.

Ou alguém acredita que a preocupação estadunidense nesses mais de 60 anos é a democracia em Cuba?

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