SABRINA SIQUEIRA
Jornalista, doutora em Literatura e podcaster do Literatura Oral
Raiza foi verificar o ranking das imagens mais curtidas do seu Instagram e descobriu que as campeãs de visualização foram suas fotos de férias, em roupas de banho. Tudo normal, não fosse o fato de a página dela ser de confeitaria e direção de vídeos, e as fotos de biquíni serem minoria.
Além disso, Raiza tem um corpo fora do padrão exigido para fotos publicitárias de roupas de praia.
Como a maioria das mulheres que conhecemos, ela não é raquítica. Tem medidas mais próximas da realidade de quem se alimenta regularmente.
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Há alguns dias, no Campeonato Europeu de Handebol de praia, a equipe feminina da Noruega foi multada por uma comissão disciplinar em 1,5 mil euros (150 euros por jogadora) porque as competidoras não usaram biquíni durante um jogo, tendo optado por jogar com um confortável e menos revelador short.
Em entrevista no final do ano passado à revista TPM, a atleta brasileira de vôlei de praia, Carol Solberg, comentou que existe uma pressão para que as competidoras joguem sempre de biquíni, como forma de aumentar a audiência dos jogos.
Na ocasião, ela lembrou como é desagradável para as atletas ficar em determinadas posições que o esporte exige, sabendo que estão tendo partes do corpo super expostas e que alguém pode estar fotografando essas poses, e podem até postar na internet e passar as imagens adiante, sem autorização delas.
Esses casos mostram como muitas pessoas se interessam em ver corpos femininos descobertos. Sejam eles atléticos ou gordinhos, o que chama atenção é pele exposta, ainda que a pessoa invista em técnicas e conteúdo para uma página informativa sobre culinária, ou treine horas por dia para demonstrar excelência em determinado esporte. E isso não é de hoje.
Na década de 1980, o Brasil viu se proliferarem nas principais emissoras de TV aberta programas voltados ao público infantil que invariavelmente eram apresentados por ex-modelos vestidas de forma sexy.
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Quer dizer, mais do que atrair a audiência infantil, era preciso agradar aos papais e divulgar um padrão de corpo, vestuário e comportamento que se refletisse em vendas para as mamães (colaborando, ao lado das revistas de moda com a tão descartável seção “certo e errado”, para uma geração de mulheres insatisfeitas com o próprio corpo ou cabelo).
Quem liga a TV para assistir seleções femininas de esportes praianos está interessado na prática esportiva, na competição, ou usa o esporte como desculpa para visualizar corpos femininos com pouca roupa e em movimento?
E será que é saudável que as ligas organizadoras incentivem essa audiência ao determinar como obrigatórios os uniformes mais cavados, ao invés de ponderar sobre a comodidade das atletas?
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No caso da equipe norueguesa de handebol, as meninas tiveram apoio da associação que coordena o esporte no país para que pudessem competir com shorts na partida pela medalha de bronze contra a Espanha, no domingo, 18 de julho.
As equipes de divulgação e canais que conseguem a concessão para transmitir os jogos, em parceria com as federações, se aproveitam do fato de serem esportes praticados na praia para expor o corpo feminino como forma de alavancar a audiência.
Não há nenhuma explicação técnica para a exigência do biquíni como determinante para o bom desempenho das atletas.
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Pelo contrário, deviam poder competir como se sentem mais confortáveis, e nem toda mulher se sente bem com a bunda de fora, sabendo que está sendo observada, gravada, fotografada. Detalhe que não há nenhuma exigência quanto ao vestuário masculino. A exposição é sempre da mulher.
Até quando? Basta de exploração do corpo feminino. Considerando que metade dos habitantes do planeta possuem essa forma, já não era para estarmos acostumados?
Em alguma instância, essa obsessão deve estar associada a tabus relacionados a sexo, nudez, poder feminino, direitos iguais entre os sexos, respeito à liberdade de expressão feminina e por aí vai, mas isso rende outra crônica, ou muitas outras!
SABRINA SIQUEIRA: Porque a realidade não basta, literatura!
Por hora, torçamos por uma realidade em que hajam outros interesses para o povo, que não apenas bundas. E que possam mostrar a bunda quem quiser, se quiser e quando bem entender!
As norueguesas perderam a partida, mas saíram vitoriosas por levantar a bola dessa pauta importante sobre a estigmatização do corpo feminino.