Mãe acusada de matar menino se nega a responder perguntas da acusação
Alexandra Salete Dougokenski, acusada de matar o filho Rafael Winques, em maio de 2020, foi interrogada na manhã desta quarta-feira (18), no Plenário do Júri do Foro da Comarca de Planalto.
Ela não respondeu aos questionamentos da acusação, apenas as perguntas feitas pela juíza presidente, Marilene Parizotto Campagna, e pela banca de defesa.
A ré negou a autoria do crime e sustentou que Rafael foi assassinado pelo pai, Rodrigo Winques (veja como foi o depoimento dele), numa tentativa de levar o menino para morar com ele.
Alexandra disse que assumiu inicialmente a autoria dos fatos para acalmar e dar uma resposta à família, que estava em desespero com o desaparecimento do menino de 11 anos. E afirmou ter sido pressionada pela polícia para dizer que matou o filho.
Chorando, ela lamentou a morte de Rafael: “A minha vida acabou em minutos, se foi. Tiraram a única alegria que eu tinha”, disse Alexandra.
O interrogatório foi finalizado no início desta tarde. Em seguida, começará a fase de debates. O Ministério Público terá 1h30min para apresentar aos jurados a sua tese acusatória e os advogados de Alexandra terão o mesmo tempo para sustentar a defesa dela.
Para a réplica e a tréplica, quando cada parte retorna para reforçar os seus argumentos, será disponibilizado 1 hora para cada uma. Depois disso, os sete jurados se reunirão para decidir.
Morte de Rafael
A juíza pediu que Alexandra fizesse um relato livre do que teria acontecido na noite de 14 de maio de 2020. “O dia 14 era um dia normal. A noite também. Jantamos, os filhos foram cada um para seu quarto. Naquela madrugada, não imaginava que nossa vida ia ser destruída”, iniciou a ré.
“Do meu quarto, tinha uma ampla janela de vidro, vi uma luz de um veículo, que parou em frente à minha casa. Em seguida, escutei um barulho na porta. Saí do quarto para ver quem estava aparecendo. Liguei a luz de fora e vi que era o Rodrigo. Ele perguntou pelo Mateus (nome do meio de Rafael). Eu disse que não era hora dele ver o Rafael, mas ele insistiu”.
De acordo com Alexandra, Rafael saiu do quarto e Rodrigo pegou o menino no colo e disse que ia levá-lo. “Eu disse que não, que o meu filho ele não ia levar! A todo o momento, a ameaça maior foi contra o Anderson. Quando ele se afastou de mim, o Rafael apontou o dedo pra eu olhar pro lado. Nesse instante avistei outra pessoa”, prosseguiu ela.
Conforme o relato, um homem participou da ação. “Ele (Rodrigo) tirou uma corda do bolso da jaqueta. Estava com uma jaqueta preta e um boné bordô, estava de máscara. Tirou a corda e tentou amarrar nos braços do meu filho. Mas ele não conseguiu porque o Rafael se debatia muito. Eu não conseguia me aproximar, o cara me segurava”, afirmou.
“Acho que meu filho tava sentindo que ia morrer ali. Meu filho começou a gritar e se debater: “para, pai. não, pai”. Foi o único momento que eu ouvi ele chamar ele de pai. Foi coisa de instantes. Meu filho começou a se debater muito. E logo em seguida ele parou. Entrei em desespero. Até hoje me pergunto ‘por que ele não me matou no lugar do meu filho’?”
Ocultação de cadáver
Alexandra disse que foi obrigada pelos dois homens a acompanhá-los até o terreno vizinho, onde colocaram Rafael na caixa. “Ele me disse a todo momento que se eu contasse algo, que ele ia voltar e matar toda a minha família”.
Alexandra disse que voltou para casa e ficou sem rumo, até o dia amanhecer.
“Depois que o dia amanheceu, meu filho Anderson (veja aqui como foi o depoimento dele) acordou e a única coisa que veio na minha cabeça foi dizer que ele (Rafael) tinha sumido”.
Falsidade ideológica
Com a notícia do desaparecimento de Rafael, a família começou a procurá-lo e decidiram por comunicar as autoridades. “Todo mundo achou por melhor ir até a Delegacia e registrar a ocorrência”, explicou Alexandra, que responde também pelo crime de falsidade ideológica, uma vez que teria denunciado o sumiço do filho já sabendo o que havia acontecido.
Fraude processual
Alexandra teria alterado um calendário usado por Rafael para induzir a Polícia a erro. Havia uma marcação no 14/05/20, data em que teria ocorrido o crime, e isso poderia apontar que o menino indicaria já saber que, nesta data, aconteceria algo importante.
“A data do dia 14 estava circulada. Pra mim, foi um choque. Parecia que o Rafael já sabia da data. Não foi uma decisão minha, mas de todo mundo ali, encaminhar para a Polícia aquele documento”, justificou a ré.
Autoria: confissão foi para “dar resposta à família”
A juíza perguntou por que Alexandra assumiu a autoria do crime e ela respondeu que foi para dar uma resposta à família. “Meu filho (Anderson) estava definhando, não dormia, não comia. Eu via na minha mãe (veja como foi o depoimento dela) o desespero. O Beto (irmão) louco atrás do meu filho. Pra acabar com todo o sofrimento deles, quando eu estive na Delegacia, acabei falando isso”.
Alexandra disse que sofreu constrangimento dos Delegados que a interrogaram. Foi pressionada por eles para mudar o seu depoimento, senão Anderson iria “para a Febem” ou seria morto. E que não foi acompanhada por nenhuma policial feminina.
Afirmou que chegou a ficar 10 dias sem se alimentar. E que os policiais queriam que ela desconstituísse o defensor, Jean Severo.
Mãe disse que deu Diazepam para o garoto dormir
O medicamento (Diazepam) encontrado em Rafael teria sido ministrado por ela dois dias antes do ocorrido. “Porque ele reclamou de não conseguir dormir”, justificou.
Alexandra disse que, em razão do isolamento social (já era pandemia), ministrou um medicamento do irmão dela para o menino. Ela buscou a medicação na casa da mãe, pegou dois comprimidos.
Menino Rafael
Rafael era um menino caprichoso, organizado e excelente aluno. Ele estava no 6º ano do Ensino Fundamental. Alexandra, que estudou até a mesma série, disse que “sempre procurou aprender para ajudar os filhos”.
Perguntada sobre detalhes da vida dos filhos, da comida favorita ao número do pé dos meninos, ela soube dar todas as informações. Disse que sempre foi em todas as reuniões escolares. Sobre a relação de Rafael com o pai, ela afirmou que não se falavam e que ela desempenhava o papel de figura paterna na vida da criança. “O Rafael não tinha relação com o pai. O Rafael nunca teve pai”, afirmou.
Já Anderson e Rafael eram “unha e carne”, disse Alexandra. O irmão mais velho era quem ensinava tudo para ele, e o caçula se espelhava nele. “Um grude”, frisou.
O menino também tinha um carinho muito grande por Delair Pereira (veja como foi o depoimento dele), namorado de Alexandra na época dos fatos. Disse que Rafael era a única criança da família e que tudo girava em torno do caçula. “Era o nosso xodozinho”.
“Podia estar com mil problemas, era só Rafael abrir um sorriso, que tudo desaparecia. E tu ganhava força pra continuar. Naquele dia, metade de mim morreu com o meu filho”, declarou Alexandra.
O menino amava jogos eletrônicos, queria inclusive trabalhar nesta área. “Ele dizia que ia crescer e se especializar e comprar pra mim uma casa de rainha”. O menino também dizia que seria policial.
A mãe disse que eles usavam muito os celulares, mas que obedeciam quando ela pedia para deixar os aparelhos e que eles tinham os seus “momentos juntos”. Sobre Rafael, contou que “ele não era um menino de desobedecer, de retrucar”.
Rodrigo, o ex, era violento, diz Alexandra
Alexandra e Rodrigo mantiveram um relacionamento por quase 11 anos, que ela definiu como abusivo. “Eu apanhava pra tudo”. Ela disse que não podia sequer tomar banho se ele não estivesse presente.
“Foi muito sofrido. Ele já chegou a me deixar até 3 anos e meio sem notícias da minha mãe. Eu sofri muito nas mãos desse cara”.
A acusada também disse que sofreu violência sexual, e que ela e o filho mais velho eram forçados a fazer trabalho pesado na lavoura. A família morou em diversos municípios, mais distantes e sem acesso. “Eu carregava caminhão-tanque de uva”, contou.
Alexandra afirmou que pensou em se separar, mas que sofria ameaças, especialmente em relação à família dela. A defesa mostrou fotos de um homem que seria Rodrigo armado.
A ré afirmou que isso era comum, que ele andava armado e que inclusive já teve uma arma apontada para a cabeça dela. “Ele atirou do lado do meu ouvido. Fiquei surda por uns 3 meses”.
Já separada, os últimos 3 anos foram os mais felizes da vida de Alexandra, afirmou ela. “A gente podia sorrir junto, sair, ir numa praça, tomar um chimarrão. Antes a nossa vida era trabalhar na roça e ficar isolado do mundo e viver o mundo dele”.
Ela se comunicava com Rodrigo através do telefone celular de Rafael, mas disse que se falavam pouco. A última visita do pai teria sido na Páscoa. Alexandra falou que ele nunca avisava quando iria ver o menino.
“Bandido assassino e infeliz. Ele não tem o direito de abrir a boca e dizer que é pai do meu filho”, afirmou Alexandra, chorando. A ré acusou o ex-companheiro de ter tramado a morte dela no presídio.
“No lugar da frieza tem um coração destruído”
Testemunhas que estiveram com Alexandra quando Rafael estava desaparecido relataram que ela manteve um comportamento frio. Sobre isso, a ré pediu para se retratar.
“O que as pessoas retratam de mim como frieza, eu posso dizer para a Senhora, no lugar da frieza tem um coração destruído, calejado. Eu não aguento mais sofrer. Metade de mim pede para morrer, para ir com o meu outro filho. Mas a outra metade grita porque eu tenho outro filho que precisa de mim. Eu queria me retratar e agradecer a todas as pessoas que estiveram do nosso lado”.
Aos jurados, a ré disse ter culpa, mas reiterou que o crime foi cometido pelo ex-companheiro. “Eu peço, pelo meu filho, pra ele descansar em paz, que este homem que tirou a vida dele, pague pelo que ele fez. Porque eu não matei o meu filho”, afirmou Alexandra.
(Com informações do TJRS)