GILSON PIBER – JORNALISTA E PROFESSOR
A marca de 10 anos da tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), reforça os sentimentos de busca pela justiça, valorização da memória e da necessidade de mais empatia com a dor alheia. Esquecer ou “jogar para debaixo do tapete” o que ocorreu é algo desrespeitoso, afinal de contas, 242 pessoas morreram por causa do incêndio ocorrido na madrugada de 27 de janeiro de 2013 e outras 636 ficaram feridas. Isso sem falar na dor e no sofrimento de pais e mães, demais familiares e amigos das vítimas.
Santa Maria, o Rio Grande do Sul e o Brasil foram impactados pela tragédia. Os responsáveis pelo fato ocorrido precisam ser responsabilizados e punidos.
Do contrário, a impunidade vai seguir assombrando o país, e já passou da hora de o Brasil ajustar as suas contas com vários absurdos da sua história, entre eles, o caso da Boate Kiss.
O próprio sistema judiciário, principalmente, deve isso à população. Não é punir por punir, buscar culpados a qualquer preço, mas mostrar que tragédias desse tipo necessitam ser evitadas e quem deu causa a elas precisa responder e assumir os erros e equívocos cometidos.
Já assisti as duas produções lançadas recentemente e que retratam a tragédia na Boate Kiss: a minissérie de ficção “Todo o Dia a Mesma Noite”, na plataforma Netflix, e a série documental “Boate Kiss – A Tragédia de Santa Maria”, disponível no Globoplay.
E recomendo que todas as pessoas as assistam. Confesso que chorei ao ver ambas. O que mais me comove é a luta incessante dos pais e mães na busca por justiça, bem como dos feridos pela própria vida, com suas dores físicas e psicológicas.
A tragédia na Boate Kiss não foi um mero acidente. Volto a dizer: as pessoas que deram causa ao incêndio precisam ser responsabilizadas e punidas. Erros e irregularidades levaram à morte mais de duas centenas de pessoas, principalmente jovens. A justiça brasileira deve uma resposta a todos nós.
E aqui entra a empatia, a “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende”.
Um sobrevivente do incêndio relata, ainda, que “perpetuar a memória é uma forma de fazer com que a gente tenha esperança de que não aconteça de novo”.
O jornalista Marcello Canellas, diretor da série documental do Globoplay, vai além e comenta que “a ideia é (era) que o desfecho (da série) fosse a sentença do Tribunal do Júri. Essa seria a resposta do Estado para as famílias. Com a anulação do julgamento, o que existe é um não desfecho, e o documentário mostra isso. A trajetória das famílias, reposta de sofrimento a cada adiamento, a cada protelação, a cada vez que o processo de apuração das responsabilidades é empurrado com a barriga”.
A tragédia da Boate Kiss é, sim, um problema nosso, como brasileiro, gaúcho e santa-mariense. Os mortos já foram enterrados, mas a dor e o sofrimento continuam. Digo que são eternos para pais, mães, demais familiares e amigos.
Porém, o caso não pode entrar para o livro das impunidades nacionais. Se isso ocorrer é porque perdemos, lamentavelmente, a empatia como seres humanos e o respeito pela memória das vítimas. Enfim, fracassamos no exercício da busca por justiça.