Associação de familiares de vítimas e sobreviventes do incêndio na boate de Santa Maria divulga nota rebatendo críticas por concordar com a série da Netflix
Em nota divulgada na noite desse domingo (29), a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), afirma não estar recebendo nenhum dinheiro pela produção da série sobre a tragédia que estreou na semana passada, na Netflix.
Ainda de acordo com a AVTSM, as séries de TV sobre o incêndio da Kiss, que completou 10 anos na última sexta-feira (27), ajudam a dar visibilidade à tragédia para que os fatos não sejam esquecidos e não fiquem na impunidade.
Resposta a pais descontentes
Assinada pelo presidente da AVTSM, Gabriel Rovadoschi Barros, um dos sobreviventes da noite de 27 de janeiro de 2013, a nota é uma resposta pública às declarações de um grupo de pais que anunciou uma ação contra a Netflix para que parte do lucro com a série ficcional seja repassada para custear tratamentos de saúde de sobreviventes da tragédia e para a construção de um memorial.
Além disso, esses pais e familiares, que começaram a se mobilizar na semana passada por meio de um grupo de WhatsApp, acusam a AVTSM de “autorizar” a Netflix a produzir a série e o livro que inspirou a ficção – Todo o Dia a Mesma Noite -, da jornalista e escritora mineira Daniela Arbex.
Pai alega exploração financeira
Esses pais e familiares também criticam o documentário Boate Kiss: A tragédia de Santa Maria, dirigido pelo jornalista Marcelo Canellas, que viveu e se formou em Santa Maria. A série ficcional que estreou na Globoplay, também na semana passada, mostra bastidores da tragédia.
O comerciante Eriton Luiz Tonetto Lopes, que perdeu a filha Évelin Costa Lopes, de 19 anos, no incêndio, acusa as plataformas Netflix e Globoplay de “exploração financeira da tragédia”. Em entrevista ao Paralelo 29, na semana passada, Eriton disse que “estão usando a dor dos pais para ganhar dinheiro”.
No entanto, segundo disse a advogada Juliane Kober, que representa os pais descontentes, a série documental da Globoplay não será alvo de ação na Justiça por ser um documentário de cunho jornalístico. A entrevista de Juliane Korber e dos pais foi publicada na semana passada no Paralelo 29.
Visita de atores gerou descontentamento
No último dia 20, a sete dias dos 10 anos da tragédia, a AVTSM recebeu a visita de integrantes do elenco e da produção da série da Netiflix em Santa Maria.
Os atores Thelmo Fernandes, Débora Lamm e Paola Antonini estiveram em Santa Maria com a diretora Júlia Rezende, a assessora de imprensa Daniela Pessoa, e a escritora Daniela Arbex, consultora criativa da série. Pais de vítimas e sobreviventes da tragédia acompanharam a visita.
A visita, que teve vários registros fotográficos postados em redes sociais e divulgados na imprensa, gerou críticas de familiares que não aprovam as séries sobre a tragédia. Pais contrários à série ficcional alegam que não foram avisados nem consultados.
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A nota da AVTSM foi publicada nas redes sociais da associação nesse domingo:
Perante a divulgação em inúmeros veículos da imprensa acerca de um processo contra a empresa Netflix em função da série Todo o Dia a Mesma Noite, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria esclarece através desta nota que estávamos sim cientes que a produção estava sendo realizada com base nos personagens do livro “Todo o Dia a Mesma Noite: a história não contada da Boate Kiss” de Daniela Arbex, e sente-se representada por ela bem como pelo livro da autora.
A produção não retrata, de forma individual, os 242 jovens assassinados, mas sim um recorte das quatro famílias de pais que foram processados. Todos familiares de vítimas e sobreviventes retratados por personagens da obra estavam cientes e em concordância.
Além disso, reiteramos que não estamos movendo nenhum processo contra as produções, nem pretendemos, por acreditarmos na potência das produções na luta por justiça e a luta por memória.
Acreditamos, acima de tudo, que tragédias como a que vivenciamos precisam ser contadas através de todas as formas. Recontar essa história significa denunciar as inúmeras negligências e tentativas de silenciamento que encontramos pelo caminho, além de auxiliar na prevenção para que esse tipo de tragédia não aconteça com mais nenhuma família, algo que temos como nosso propósito desde o 1º dia de nossa fundação.
Mostrar o que aconteceu na Kiss faz com que a morte de nossos filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães, amigos e amigas não tenha sido em vão. Mostrar a morosidade, a burocracia e como é o sistema judiciário brasileiro serve como denúncia e como protesto.
É preciso falar, debater, produzir materiais sobre o que aconteceu naquela trágica noite de 27 de janeiro de 2013, pois só assim conseguiremos que as pessoas entendam o que a ganância, a negligência e a omissão são capazes de fazer.
Em Santa Maria, esses fatores mataram 242 jovens e deixaram 636 com marcas físicas e psicológicas. Entendemos que rever a tragédia, principalmente nos dois primeiros episódios, pode mobilizar os sentimentos, as lembranças e dimensionar a impunidade em sua ferocidade, e, com isso, a associação se disponibiliza a acolher e a promover ações pra comporem o movimento por justiça.
Por fim, esclarecemos que desde o dia 27 de janeiro de 2013, nós sofremos com a perda irremediável de nossos filhos, irmãos e amigos, sabemos o quanto isso nos dói.
Não há nenhum valor sendo pago a nós com a produção, e o que ganhamos é a crença no fortalecimento na luta por justiça e pela memória. Para que não se repita.
Santa Maria, 29 de janeiro de 2023.
Gabriel Rovadoschi Barros – Presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria