EDINARA LEÃO – ARTETERAPEUTA, ESCRITORA E PROFESSORA
Cristian olhava a terra. Era pobre, mas possuía olhos donos de terra. Atônito lambuzava-se. A terra cheirava em suas mãos. Cheiro de terra em dias marrons.
Ao pôr as mãos na terra, Cristian nada pensava. Não via o céu nem as nuvens. Nem ouvia sons. Só o silêncio das mãos falava. No entanto, construía castelos imaginários.
Chegou Manuca cego de canha. O líquido com gosto de água era sua preciosidade. O menino continuava a mexer com o barro. O bêbado viera da cidade, desmerecido do respeito de todos. Viu o menino que aparentava oito anos, embebido de um mundo só seu:
– Guri, tu vai apanhá! – disse.
De repente, Cristian olhou o homem para além do bêbado. Atiçada a sede, o menino precisou de sua água. Sem nada dizer, caminhou até Manuca, que acedeu com olhos tranquilos.
A terra regada virou barro. E Cristian viu seu castelo com todas as portas e janelas erguidas no barro. Não mais imaginários. Castelos reais. Manuca cresceu olhos e pressentiu a lágrima antes de rolar, notória a faceirice do menino.
O bêbado sempre sentira a canha dentro do corpo a romper-lhe os rins, pela primeira vez, a bebida tivera utilidade. Os olhos perdidos do menino brilhavam, já não embebidos de terra.
Manuca olhou para Cristian na vez de enxergar. E tragou a cena. Daquele dia em diante, Manuca nunca mais bebeu.