Paralelo 29

Crônica: O dia que choveu fogo do céu

Foto: Reprodução

EDINARA LEÃO – ARTETERAPEUTA, ESCRITORA E PROFESSORA

Eu era criança. Mas vi claramente visto. Sob os olhos de infância. Ninguém soube dar os porquês. Ninguém pode balbuciar palavra. Mas caiu. Isso eu bem lembro. Como se fosse hoje.

Eram capuchinhos que caíam do céu. Chaminhas. Formato do alvéolo da laranja. Maiores, porquanto. Morriam na grana. Sem pegar fogo. Um fogo que não queimava. Leve. Leve. Tal gota. Gota de fogo.

E foi tal alvoroço. Todos vieram ver. De todos os cômodos da casa. Caía enviesado. Perpendicular talvez diriam hoje. Maior que neblina. Vinha do céu. E meus olhos nunca mais viram isso.

Seria algum fenômeno? Era como granizo, sem ter pedra. Era leve, os capuchinhos caíam como quem encosta de leve no chão, como quem morre na lenta. Como quem prepara a cama. E deita.

Isso meus olhos viram uma vez. E bastou. Para meus olhos de espanto. Houve uma tia que disse:

– É o fim do mundo!

Fim bonito teria sido! As fagulhas da chama se terminavam no chão. E foi um instante pequeno. Só a memória reteve o tempo na retina do olhar. Eu mesma do alto de meus cinco anos nem sei quanto tempo durou. Quem mede o tempo da infância? Há anos dentro de um segundo. E no resto do tempo não houve quem falasse sobre tal episódio. Morreu ali.

A paisagem que habita a memória da minha infância eu nunca entendi. Mas esta paisagem da chuva de fogo nunca saiu da minha mente. Este mistério povoou minha mente até aqui.

O vô já não vive. Ele não me desmentiria. Estava junto. Viu tudo. Mas por que ninguém mais lembra? É um mistério para além da infância. Furou o compasso das coisas uníssonas.

Sempre a mesma imagem. Não congelada. Em movimento. Eppuor se mueve. A frente da casa da fazenda. O gramado verde, sempre limpo. Varrido semanalmente. O ‘cinamão’ Quatro. O vô Leão e sua singularidade. Seu palheiro. E a chuva de fogo explodindo no chão. Morrendo na tarde.

Não espalhou cinza. O fogo agonizou a tarde. Tal chuva. Nunca coube em mim tamanha melancolia. Fiquei povoada de desentendimentos. Tornei-me instantânea.

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