ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
Por conta da enfermidade ocorreu a segunda conversa séria entre pai e filho: definir qual enfermeira seria sua acompanhante. Don Juan relutou muito dizendo que não precisava de cuidados.
Não estava velho e sabia muito bem tratar de sua saúde. Não era inválido. Juanito também estava intransigente. Não havia margem para negociação.
Ele deveria aceitar que alguém o acompanhasse para uma eventual necessidade de primeiro socorro. Don Juan aos 78 anos não admitia que com os anos vinham as dores e as doenças.
Então, resolveram entrevistar as candidatas ao cargo de enfermeira particular. Don Juan olhou uma lista de inscritas e estava lá um nome que saltou aos olhos do velho bon-vivant: Mercedes.
– Nem precisa chamar as outras. Contrata a Mercedes.
– Não vai me dizer que o senhor conhece ela…
– Não. Mas sendo Mercedes pode contratar.
– Mercedes Flores Gamarra… vou ligar para ela.
– Tua mãe era Mercedes Rosa Guadalupe. Assim, encerro minha passagem por esse plano na companhia, novamente, de uma Mercedes.
Na penumbra do quarto estavam a enfermeira Mercedes, distraída no celular, e o velho Don Juan num sono profundo. Aos 93 anos ele passava mais tempo dormindo por conta dos comprimidos calmantes e antidepressivos.
Juanito chegou em silêncio e perguntou como estava o velho. Ele vinha visitá-lo todos os dias depois que fora transferido da casa onde morava para um quarto mais aparelhado do hospital.
A sacola, com a garrafa de vinho que trouxera de presente para a enfermeira, Juanito colocou em cima da mesa. E sentou ao lado do pai e permaneceu ali quieto. Como a rememorar todas as idas e vindas de uma vida atribulada.
A enfermeira percebeu o estado de introspecção de Juanito e comentou que o velho estava bem-falante nos últimos dias. Cansava, mas gostava de uma boa prosa.
Contou que Don Juan falava, seguidamente, em uma Mercedes. E essa Mercedes de quem falava não era ela, a enfermeira. Ela já estava há mais de 15 anos como cuidadora e nunca soube nada da esposa do velho. A Mercedes em que Don Juan falava morrera no parto de Juanito.
E essa cruz de ausência ele carregou em todas as suas extravagâncias. Todos têm uma cruz para carregar. Uns carregam uma cruz mais pesada, outros mais leve e outros, ainda, carregam a cruz e a coroa de espinhos. E assim vamos construindo a nossa trajetória.
– O tempo voa… – comentou um melancólico Juanito.
– Se voa Dr. Juanito. Mas para Don Juan tudo parece que foi ontem. A vida dele foi um turbilhão de atividades.
Achou estranho que o velho nunca havia falado sobre a esposa em todos esses anos. Mas agora o velho estava em seu estertor. A vida chegaria ao fim em pouco tempo. E Don Juan Rigoberto seria uma ponta de saudade em muitos corações solitários.
– Don Juan nunca se passou contigo? Nunca fez uma proposta indecorosa? – Juanito perguntou já sorrindo, imaginando a resposta.
– Ih! Um milhão de vezes – Mercedes deu uma sonora gargalhada que o velho se mexeu na cama. – Ontem passou a mão na minha bunda e pediu um cálice de vinho.
Aí foi a vez de Juanito soltar o riso.
– Esse Don Juan!
Antes de deixar o quarto, tirou a garrafa de vinho da sacola e alcançou para a Mercedes.