Em uma série de três resgates históricos, a coluna vai contar os bastidores da vinda ao Coração do Rio Grande do primeiro e único militar a governar o Brasil pós-redemocratização. Confira a parte I
POR JOSÉ MAURO BATISTA – EDITOR DO PARALELO 29 E REPÓRTER À ÉPOCA DA VISITA
Há exatos 30 anos, no dia 18 de junho de 1993, uma sexta-feira gelada, o então deputado federal pelo PPR-RJ (atual PP) Jair Bolsonaro desembarcava em Santa Maria para uma visita que durou dois dias. Foi uma passagem barulhenta, recheada de polêmicas e até mesmo profética.
Bolsonaro chegou a Santa Maria com o título de Visitante Ilustre concedido pela Prefeitura e voltou para o Rio de Janeiro com o de Persona non Grata, conferido pela Câmara de Vereadores.
Na época, eu era repórter do jornal A Razão (extinto em 2017), o único diário da cidade, e fui pautado para cobrir o evento do qual Bolsonaro participaria na Câmara de Vereadores. O deputado capitão não era nem de perto conhecido como é hoje. Mesmo assim, mobilizou um bom número de admiradores.
A calçada da Vale Machado, em frente à Câmara foi tomada por militares da reserva, pensionistas do Exército e familiares, além de alguns seguidores. A Câmara ficou lotada. Mas nada de gritos de mitooo!
Capitão era conhecido em bolsões
Apesar de, na época, Bolsonaro ser conhecido basicamente no Rio de Janeiro e em alguns bolsões (vale o trocadilho) ligados às Forças Armadas, sobretudo ao Exército, a visita chamou a atenção de parte da imprensa local. Além do A Razão, algumas rádios, e o correspondente local do Correio do Povo, o jornalista Paulo de Tarso Pereira, também apareceram por lá.
Além de repórter do Correio do Povo, Paulo de Tarso tinha seu próprio veículo de imprensa, o jornal Centro Sul – semanário local que teve vida curta – e produziu a maior cobertura da visita de Bolsonaro.
Fechamento do Congresso já era defendido
Nada do que Bolsonaro disse depois daquela visita e durante seus quatro anos como presidente da República foi novidade para quem esteve naquele evento e na entrevista com o então deputado. Pelo menos para mim Bolsonaro não disse nada de novo nesses anos todos.
A única coisa que talvez tenha mudado é a pauta. Temas como “ideologia de gênero”, por exemplo, só passaram a figurar na agenda de Bolsonaro anos mais tarde.
Depois da palestra no plenário da Câmara de Vereadores e de um discurso em apoio à pré-candidatura a deputado federal do então vereador e capitão da reserva Enir Garcia dos Reis (PTB), Bolsonaro deu uma entrevista em que defendeu abertamente o fechamento do Congresso Nacional.
Na sua edição do final de semana, A Razão mancheteou: “OS ARAUTOS DO DESCONTENTAMENTO MILITAR – Bolsonaro defende regime de exceção e fechamento temporário do Congresso“.
Entrevista que rendeu puxão de orelha
Na entrevista não faltaram frases de efeito do tipo “Sou treinado para matar” e a defesa de um regime de governo aos moldes do então presidente do Peru, Alberto Fugimori, conhecido por suas ações e pensamento totalitários.
O capitão também defendeu com veemência o golpe de estado que implantou a ditadura militar no Brasil entre 1964-1985. Ora ele falava a palavra ditadura, ora dizia que os governos militares eram democráticos.
Bolsonaro acabou virando notícia nacional por suas declarações em Santa Maria a ponto de a Câmara dos Deputados abrir um processo contra ele por atacar a democracia recém retomada no país.
Tal processo acabou dando em nada e resultou não mais que em um puxão de orelhas (e um susto). Tanto que no ano seguinte, em nova visita a Santa Maria, o deputado federal evitou repetir o que, segundo ele, quase lhe custou o mandato.
Irritação de lideranças e título de Persona non Grata
Já em Santa Maria, houve um reboliço no meio político. O próprio PPR não gostou, e lideranças locais e inclusive estaduais do partido, condenaram as palavras do deputado carioca. Alguns chegaram até mesmo a defender a expulsão do então deputado.
E a Câmara de Vereadores, que na época tinha entre seus membros os petistas Paulo Pimenta (hoje deputado federal licenciado e ministro do governo Lula) e Valdeci Oliveira (deputado estadual), aprovou um requerimento cassando o título de Visitante Ilustre e conferindo a Bolsonaro o título de Persona non Grata. Ou seja, pessoa que não é bem-vinda a Santa Maria. Enir foi um dos raros a defender o colega.
Quando Bolsonaro voltou a Santa Maria, em 15 de junho de 2019, já como presidente da República, vereadores aliados tentaram revogar o título de Persona non Grata. Mas não havia como anular o documento de 26 anos atrás. E ficou por isso mesmo.
Profecia realizada
Por que a visita de Bolsonaro em junho de 1993 pode ser considerada profética? Ora, muito simples. Durante todo o tempo da entrevista o capitão se comportou como um “um meio” de a ajudar os militares a retomarem o poder. E isso ele conseguiu quase três décadas depois.
Nas próximas colunas, ainda neste domingo, vou entrar em mais detalhes de bastidores dessa visita de junho de 1993 e trazer material histórico exclusivo.