Paralelo 29

JOÃO EICHBAUM: Dificuldades de interpretação?

Foto: Arquivo, SEC, PMSM

                                                 JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR

A dificuldade para interpretação de textos não é ínsita à incapacidade das pessoas. Ela foi instalada numa parcela da população brasileira, pela má política governamental, uma política encharcada de demagogia.

Essa política acabou depauperando o ensino. Na contramão dessa demagogia cresceu o descaso pelo valor dos professores, a depreciação do magistério como carreira profissional. Somando-se a isso, a tecnologia se agigantou: o celular passou a substituir livros e jornais.

A boa leitura, a leitura que instrui, enriquecendo o vocabulário, foi arredada por abobrinhas, fofocas, conversas fiadas que dispensam a linguagem correta. No rasto desse pernicioso fenômeno veio o fechamento de editoras, livrarias, jornais.

Não foi por acaso que uma parcela considerável da população gaúcha se chocou com a atitude da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, desperdiçando seu tempo na discussão de um projeto de Emenda Constitucional, que prevê mudanças na letra do chamado Hino Riograndense.

O alvo da mudança é um verso que diz “povo que não tem virtudes, acaba por ser escravo”, retratando, com a maior clareza, o sentido da Guerra dos Farrapos: a libertação do jugo do poder central, com uma rebeldia sangrenta que durou dez anos.

Certamente, foi o desconhecimento desse sentido que levou alguns deputados estaduais à perda de tempo com uma Emenda Constitucional, que nada tem a ver com a economia, com o progresso e com as reais necessidades do povo gaúcho.

Jugo, para quem não sabe, é potestade, domínio, mando, arbítrio, ascendência plena, superioridade. Por ter o vocábulo “escravo” a rimar com “bravo”, o verso foi acoimado de preconceituoso, quando não passa de incitação à rebeldia, para se livrar da submissão.

O que são “virtudes”? Virtudes são valores morais, atributos positivos, vistos por vários ângulos: religiosos, filantrópicos, patrióticos, intelectuais ou simplesmente éticos.

São valores que podem ser encontrados em qualquer ser humano, sem distinção de cor ou de sexo. Para ter virtudes, basta ser humano. E se pode até ir mais longe, considerando-se, por exemplo, a fidelidade do cão ao seu dono como uma virtude.

No caso do Hino Riograndense, o sentido da palavra “virtude” evola claramente do contexto do hino. Assim como fala em “virtude”, o hino alude a “façanhas, povo aguerrido e forte”, etc.

Todo o tom da peça musical remete imediatamente para a coragem, para a disposição à luta, para o ânimo em defender o chão gaúcho.

A tônica do hino é o separatismo, a independência, a criação de uma nova pátria, a união de todo o povo gaúcho em torno de uma causa. Todo o povo – repita-se – sem exclusões.

O preconceito é uma reação subjetiva, com duas faces: a verdadeira e a falsa. A primeira é a divulgação explícita de um pensamento que, desvirtuado da boa convivência social, implique depreciação de seres humanos. A segunda consiste em descolar de seu contexto uma palavra, para se ter como vítima da depreciação antes referida.

Enfim, espera-se que a dificuldade de interpretação não empobreça os anais da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

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