JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR
Maltratada pela indigência verbal e pelo desconhecimento de regras da lógica, a Constituição Brasileira, promulgada “sob a proteção de Deus”, não passa de uma colcha de retalhos costurada com fios de demagogia. Não é para menos.
Somente uma Constituição submetida a baixa intelectualidade pode proporcionar isso: trinta e cinco anos após sua entrada em vigor está sendo discutida, no Supremo Tribunal Federal, a aplicação de um dispositivo que figura entre os “direitos fundamentais” listados no art. 5º.
É impossível que, nesses trinta e cinco anos, não tivesse acontecido alguma coisa que exigisse a manifestação do STF sobre matéria tão importante.
O mais provável é que cidadãos sem importância não tenham tido acesso ao Supremo, vítimas da justiça filtrada em “súmulas e temas”, que ignoram direitos fundamentais.
Mas, quando Lula foi levado para a cadeia, parece que se tornou necessária a exumação da “inocência presumida”, enterrada na vala comum dos que não foram contemplados pela Constituição.
Desde a semana passada, o STF se detém no inciso LVII do 5º: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
A expressão literal do texto é clara. Mas a intenção de quem escreveu isso é obscura e deixa pasmo o intérprete que se depara a seguir com o inciso LXI do mesmo artigo 5º: “ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente…¨
Qual dos dois incisos vale: aquele que permite a presunção legal de culpa só após o trânsito em julgado da sentença, ou aquele que permite prisão “por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”?
Por força de lei, ninguém é levado à prisão sem forte presunção de culpa, baseada em materialidade e indícios de autoria.
Diante disso, não há outra saída: a contradição só poderá ser arredada pelo bom senso, porque se for levada em conta apenas a expressão literal do texto, nem mesmo o flagrante permite a prisão.
E se a prisão em flagrante é considerada constitucional, porque não o seria a prisão “por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”?
Por mais absurdo que pareça, os dois dispositivos são constitucionais, porque ambos constam da Constituição. A prisão decorrente do julgamento pelo júri não pode fugir desse raciocínio.
Ao estabelecer a pena de prisão com base na resposta dos quesitos, o juiz pode considerar as circunstâncias reconhecidas pelos jurados, buscando nelas os argumentos para determinar a imediata prisão do réu. Inconstitucional seria a prisão baseada unicamente na resposta dos jurados, atribuindo culpa ao réu, sem a “ordem escrita e fundamentada” do presidente do Tribunal do Júri.
Extremamente simples a interpretação dos textos constitucionais, sem necessidade de opiniões que não cabem no atacado nem no varejo da lógica, como a do ministro que sugere prisão apenas para quem for condenado a mais de 15 anos em julgamento do júri.
Pior que isso só a alternativa de aplicar um ou outro dispositivo, dependendo de quem seja o réu… Aí, claro, todo mundo se lembra do Lula…