Paralelo 29

Algumas de minhas afetivas memórias do Café Cristal

Foto: Vava Etchepare

Acompanhei duas transições do mais longevo boteco de Santa Maria. Por pouco, não presenciei a última e derradeira

JOSÉ MAURO BATISTA – PARALELO 29

Embora há algum tempo afastado de botecos, levei um duro golpe com a notícia de encerramento das atividades do Café Cristal, ocorrida no sábado, 7 de outubro de 2023.

Guardo deste lugar – com 90 anos de história – doces recordações. O Café Cristal faz parte das minhas memórias afetivas e da minha relação de já quase quatro décadas com Santa Maria.

A primeira vez que entrei no Cristal foi em maio de 1986, quando vim de São Luiz Gonzaga com dois amigos, Luiz Homero Barbosa Ribas e Marco Antonio de Moraes, o Markito, para uma Tertúlia.

Viajamos de ônibus de São Luiz Gonzaga até Santa Maria, onde chegamos por volta de meio-dia ou uma hora da tarde, depois de algumas paradas em estações rodoviárias ao longo do caminho.

Era a 7ª Tertúlia Nativista, e o dia em que botei os pés no Cristal pela primeira vez foi o primeiro do festival, um dia frio. Uma pesquisa ajudará a descobrir o dia certo. Na época, a Tertúlia tinha os famosos acampamentos na Estância do Minuano. Eram tempos áureos do Nativismo e dos festivais.

Chegamos no bar do Calçadão para beber e comer alguma coisa. Era um lugar bastante singular, com balcão e mesas típicos de antigos bolichos. Da cozinha, exalava o cheiro de comida caseira, de pastéis e outros lanches.

No caixa, um senhor alto, com sotaque português, nos atendeu. Insisti para ele receber um cheque meu, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul.

Depois de algumas negativas, o simpático senhor acabou topando receber o cheque. Era o seu José Pereira, o então proprietário do Café Cristal.

Quando vim morar em Santa Maria, meses depois, frequentei o lugar algumas vezes. Contudo, lembro-me pouco dessa época até porque após meses, acabei retornando a São Luiz Gonzaga, de onde retornei para Santa Maria, definitivamente, em março de 1987.

O período que ficou gravado foi mesmo o da greve dos professores, quando batíamos ponto no velho Cristal do Calçadão nos finais de tarde.

Vivi duas transições do Café Cristal. E, por muito pouco, não presenciei a terceira, a do último e derradeiro suspiro do boteco mais longevo de Santa Maria, com 90 anos de existência.

Eu estava lá, no Café Cristal do Calçadão, o primeiro, original, em uma noite fria de junho ou julho de 1987, quando o tradicional botequim fechou as portas pela primeira vez, já com quase cinco décadas.

Lembro-me que estava com um grupo de amigos, todos do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão. Havíamos passado parte da tarde e início da noite nas barracas de professores que acamparam por três meses na Praça Saldanha Marinho durante a greve do Cpers. Saímos de lá pra o Café Cristal.

Estávamos em um grupo: eu, Jeferson Nunes, o Jeti; Gerson Marchi, Gilson (conhecido, anos mais tarde, como o Poeta Incompreendido), Ricardo (não lembro o sobrenome) e, salvo engano, Sílvio Kümmel. Desta turma, três já partiram: Jeti, Gerson e o Poeta Incompreendido.

Entre uma caipirinha de limão e uma cerveja, o Jeti descobriu que aquela era a última noite do Café Cristal. Ligeirinho, um famoso garçom da cidade que trabalhava no local, deu a notícia. Estávamos entre os últimos boêmios que continuavam no local.

Por coisas do destino, estavam no Cristal mais dois frequentadores, César Prieb e um tal de Chico. Chico tinha uma máquina fotográfica e fez alguns registros nossos de despedida do Café Cristal.

Ficamos de pegar as fotos, pois na época elas eram reveladas em papel, mas nunca mais encontramos o fotógrafo da ocasião. Não sei se as fotos, com certeza em preto e branco, ainda existem. A exata data talvez possa estar em algum manuscrito atrás de uma das fotos, se é que houve alguma anotação. Sei lá.

Esta foi a primeira transição que presenciei no Café Cristal.

Anos mais tarde, eu estava na Rua Alberto Pasqualini (que, por uma época, ficou conhecida como Rua 24 Horas), quando o Brasil passou o caixa para o Rafael Bordin, numa tarde, possivelmente de verão. Era a segunda sede do Café Cristal.

E eu, como outros frequentadores, continuei bebendo no balcão e anotando para acertar a conta já com os novos proprietários. A casa estava cheia, havia gente também nas mesinhas.

Presenciei o momento em que o Brasil anunciou a transição (para quem não sabia), e deu tchau!

No último sábado, saí para almoçar com minha mulher. Passamos em frente da nova sede do Café Cristal, na Floriano Peixoto, por volta das 13h, e até pensamos em entrar, mas resolvemos deixar para outro dia.

Assim, não vi o Cristal passar por sua última transição, desta vez para a eternidade na memória dos santa-marienses. Na reportagem que fiz para o site paralelo29.com.br sobre o encerramento das atividades do Cristal, detalhei as fases pelas quais passou o Café Cristal depois que conheci esse boteco encantador.

A partir de agora, o Café Cristal será apenas uma referência na história local. Um copo vazio, uma mesa vazia, um balcão vazio…A menos que algum empreendedor resolva apostar na marca e inaugurar mais uma fase cristalina.

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