JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR
Ah! Se eu tivesse capacidade, escreveria um poema sobre aquele Natal que foi, a um só tempo, o princípio e o fim de uma felicidade.
O Orfanato São Vicente de Paula, que te acolhia, ali na Silva Jardim, um casarão cinzento-tristeza, ocupava uma quadra inteira.
Além dele havia o asilo Padre Caetano, abrigando aqueles para quem a vida, já tendo passado do ponto, só deixara restos de dias sem esperança, com desmazelos no corpo e na alma.
As freirinhas só contavam com Deus, para cuidar das meninas e dos pobres velhinhos. Para as meninas, que nunca tiveram lar, ou foram entregues aos riscos do mundo pelas malvadezas do destino, elas queriam construir o futuro.
Dos velhinhos elas se ocupavam como se fossem sua própria alma, ou mais, porque a alma não exige desvelos que desafiam o estômago. Tudo por amor de Deus, naquela espera, sem desespero, pela eternidade.
Graças à freirinha que organizava o coral e tocava harmônio, te conheci. Não fosse ela, eu não teria ouvido o esplendor de tua voz, soando entre o terreno e o celestial, me fazendo tropeçar nos degraus do altar, com as galhetas na mão, bem no momento em que ia servir de vinho o padre.
Só porque, não resistindo à insistência daquele encanto, olhei para o coro, onde vocês, meninas órfãs, cantavam. Tu tinhas o olhar fixo no altar, não por minha causa, é claro, eu não mereceria teu olhar, mas aí nossos olhos se encontraram e eu quase me estatelei aos pés do altar, com as galhetas.
O coral cantava “Oh! Maria, concebida sem pecado”, e tu entoavas o primeiro verso, como solista. Desde ali, teu rosto de menina nunca mais saiu da frente dos meus olhos, tua voz nunca mais abandonou a melodia do “Maria concebida sem pecado”. Porque foi a voz mais linda que, na infância, meus ouvidos ouviram.
E desde então, por muito tempo, o hino da Imaculada me adocicava a alma na solidão e me arrancava suspiros sem razões definidas, sempre que eu passava na frente da capela do Rosário, ou entrava nela para servir de coroinha na missa.
Só outra canção atingiu meu coração com a mesma força. Foi na última noite de Natal em que te vi. Durante a comunhão, vocês, meninas, cantavam “Noite Feliz” e, cantando “Noite Feliz”, vinham em fila indiana, para receber a eucaristia, na direção da balaustrada, onde eu estava. E enquanto se ajoelhavam e não podiam cantar, recebendo a hóstia, a irmã continuava tocando a canção de todos os Natais.
Então, foi ouvindo “Noite Feliz” que a vida me botou bem perto de ti, e eu pude ver – pelo indizível nome de Deus, juro que vi – aquelas lágrimas dançando sobre a cor de pêssego dos teus olhos.
Mesmo com o tremor no queixo e o caroço na garganta, engoli o choro. Mas só naquele momento, porque, até hoje, desrespeitando o tempo reservado aos esquecimentos, não deixo de chorar por ti, em cada noite de Natal.