ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
Não frequento mais o centro da cidade, como frequentava há poucos anos. Transitar pelo Calçadão e pela Acampamento não está na minha rotina de pedestre e andante.
Na praça Saldanha Marinho, sou rara visita. No entanto, na semana passada resolvi postar uma correspondência e fui até a agência dos Correios.
E algo estava diferente na fachada do prédio. Todo gradeado. Uma agressão à arquitetura da edificação. A gentil atendente me informou que a grade tinha sido colocada no final do ano passado.
Para maior proteção.
Sei…
Aquele “abrigo” era o lugar frequentado pelos moradores de rua que ali faziam seu pouso. Não tive dúvidas, bati a foto e ainda vemos o carrinho dos recicladores.
Santa Maria estava refletindo a relação excludente mais saliente nos grandes centros urbanos. Um exemplo marcante da arquitetura hostil.
Logo veio em minha mente que Santa Maria também precisa de um Padre Júlio Lancellotti e com certa urgência. Ele tem uma atuação que vai além do ambiente eclesiástico, alcançando os cantos mais difíceis da cidade de São Paulo, onde muitos preferem não olhar. Se tem um brasileiro, na atualidade, merecedor do Nobel da Paz esse brasileiro é o Padre Júlio Lancellotti.
Voltemos à arquitetura hostil: uma manifestação física das barreiras sociais que muitas vezes marginalizam os moradores de rua.
É uma prática que envolve a instalação de objetos como pedras, grades hostis – o caso dos Correios em Santa Maria –, espetos de ferro, bancos com divisórias e até mesmo a distribuição de objetos pontiagudos em espaços públicos são estratégias utilizadas para afastar aqueles que buscam abrigo temporário. Evitar a presença justamente daqueles que estão em situação de vulnerabilidade.
São medidas que não resolvem o problema, apenas acirram as diferenças sociais e perpetuam a exclusão e a invisibilidade dessas pessoas, ou seja, aversão aos pobres: aporofobia.
Recentemente, a Lei Padre Júlio Lancellotti foi promulgada no Brasil, proibindo a construção ou a instalação de estruturas hostis em equipamentos públicos para dificultar o acesso de moradores em situação de rua. Enfim, se existe uma lei, a agência dos Correios em Santa Maria está fora da lei.