Paralelo 29

60 anos do golpe militar: Túmulo vazio em São Sepé espera pelo corpo de militante executado pela ditadura

Foto/Reprodução, Canal Tumúltulos

Cilon Cunha Brum tinha 25 anos quando desapareceu na região do Araguaia; documentos e relatos apontam que ele foi torturado e assassinado há 50 anos

JOSÉ MAURO BATISTA*

Um túmulo vazio no Cemitério Municipal de São Sepé, cidade de 21,2 mil habitantes na Região Central do Rio Grande do Sul, aguarda, há anos, por aquele que ali deveria estar sepultado: Cilon Cunha Brum.

Cilon, que usava o codinome Simão, foi executado pelo governo militar há 50 anos e é um dos símbolos da repressão da ditadura instalada há exatos 60 anos no Brasil.

Há meio século, familiares do sepeense aguardam pelo seu corpo. De acordo com documentos do Arquivo da Verdade da PUC-SP, Cilon desapareceu em 27 de fevereiro de 1974, na região do Araguaia.

Segundo documentos históricos, o então estudante de Economia da Universidade de São Paulo (USP) foi preso em 1971, na região do Bico do Papagaio, no Tocantins (na época, pertencente a Goiás), na fronteira com Pará e Maranhão.

Foi nessa área de matas e rios, que guerrilheiros recrutados pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) se instalaram para enfrentar o regime militar no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia.

No entanto, a distância entre Cilon e família é ainda mais longa: a última vez em que foi visto por familiares teria sido em 9 de junho de 1971. Depois disso, ele nunca mais esteve com parentes. Alguns, como a mãe, Eloá Cunha Brum, morreram sem poder sepultá-lo.

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Evento Descomemoração pelos 60 anos do golpe militar lembrou a morte do militante nascido em São Sepé/Foto: Daniel Blasius/gabinete Pedro Ruas

QUEM FOI CILON BRUM

Cilon Cunha Brum tinha 25 anos quando desapareceu/Foto: Reprodução
  • Nasceu em 3 de fevereiro de 1946, em São Sepé, filho de Lino Brum e de Eloá Cunha Brum
  • Passou a infância e adolescência em São Sepé, onde concluiu o Ensino Fundamental no Ginásio Estadual Tiaraju, em 1963, quando tinha 17 anos
  • Em 1965, mudou-se para Porto Alegre, onde cursou até o ano seguinte um curso técnico de Contabilidade na Escola Técnica Nossa Senhora do Rosário, período em que morou em uma república com um irmão e um primo
  • Em 1967, Cilon foi para São Paulo, concluindo a terceira série do curso técnico no Colégio Comercial Riachuelo
  • Em 1969, Cilon ingressou no curso de Ciências Econômicas da USP-SP e começou a participar do movimento estudantil a partir de 1970, quando se filiou ao PC do B.
  • Seu último contato com a família foi em junho de 1971, quando foi a Porto Alegre para o batizado da sobrinha e afilhada Liniane Brum Haag.
  • Na última visita à família, o então militante confidenciou que estava sendo perseguido por agentes de órgãos de segurança e que poderia ser preso a qualquer momento
  • A partir daí, o que se sabe é que o jovem sepeense foi para a região do Araguaia, onde o PC do B começou a organizar uma guerrilha de enfrentamento ao regime militar
  • Num primeiro momento, surgiu a informação de que ele teria sido visto com vida pela última vez em dezembro de 1973. No entanto, outros documentos atestaram que ele teria sido executado em 27 de fevereiro de 1974, após ser preso e torturado

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Livros e canal contam a história do sepeense

A história de Cilon foi contada no livro “Antes do Passado – O Silêncio que Vem do Araguaia”, escrito pela jornalista e publicitária Liniane Haag Brum, sobrinha e afilhada do sepeense.

Em outro livro – “Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha” -, os jornalistas Taís Morais e Eumano Silva trazem relatos de sete anos de pesquisas em documentos das Forças Armadas Brasileiras e do PC do B, além de depoimentos de sobreviventes dos dois lados do conflito, moradores da região, camponeses e familiares que vivenciaram as operações.

O livro conta que ele foi preso, torturado e assassinado. Em um dos documentos sobre o regime de exceção, chamado Dossiê Ditadura, consta a informação de que realmente Cilon foi preso e executado em 27 de fevereiro de 1974.

A morte de Cilon ocorreu no período mais obscuro e violento do regime militar, conhecido como Anos de Chumbo. Era a vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5). O período da execução do guerrilheiro ocorreu no final do governo do general Emílio Garrastazu Médicini, a um mês da posse do general Ernesto Geisel.

Criadora do canal Tumúltulos, que conta histórias de túmulos famosos e curiosidades sobre cemitérios, a designer Ivi Pivetta Viero visitou a sepultura que aguarda o corpo de um dos mortos pelo regime. O episódio pode ser assistido no vídeo abaixo.

“A dor é eterna”, disse irmão de Cilon em evento na capital

O jovem guerrilheiro sepeense foi lembrado em um ato realizado em 29 de fevereiro deste ano pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

Lino Brum Filho, irmão de Cilon, em ato na Câmara de Porto Alegre/Foto: Daniel Blasius/gabinete Pedro Ruas

No ato, o jornalista Lino Brum Filho, irmão de Cilon, narrou a saga da família para tentar encontrar e recuperar os restos mortais do militante do PC do B, até hoje não encontrados.

Antes de morrerem, os pais de Cilon providenciaram um túmulo e a abertura de uma vala para o corpo do filho. “A dor é eterna”, resumiu Lino.

Uma praça de São Sepé leva o nome do militante. No jazigo há uma lápide e uma foto de Cilon. O corpo do sepeense é um dos 343 que sumiram durante a ditadura militar e que nunca foram devolvidos às famílias. Familiares que ainda vivem esperam um dia poder sepultá-los com dignidade.

(*Com informações da Câmara de Vereadores de Porto Alegre)

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