JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR
A Constituição de um país democrático, com ou sem a proteção de deuses, é um instrumento de garantia do povo contra os desmandos do Estado.
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim está escrito na Constituição Brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988.
O Poder, portanto, é do povo e não de quem está investido em cargos, sejam eles quais forem, quer no Legislativo, quer no Executivo, quer no Judiciário.
Está muito claro na Constituição: o povo não é só a fonte do Poder, como também o titular do seu exercício. E é muito importante ressaltar que o representante não pode ter poderes maiores do que os do representado.
Mas, no Brasil, há cidadãos que, ao que parece, não entendem muito bem o que lá está escrito. A partir do momento em que assumem a função pública, acham que o Poder são eles e aí começam a botar os pés pelas mãos.
Talvez eles ignorem que a Constituição é o livro das regras que estabelecem, como limites do exercício dos cargos públicos, os fundamentos consagrados no artigo 1º da referida Constituição, entre os quais estão a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Ou talvez eles desconheçam os variados significados da palavra “poder”.
Acontece que no artigo 2º se diz que “são Poderes da União… o Legislativo, o Executivo e Judiciário”. Aí, esses membros da seita dos incriticáveis, acham que são um Poder, desdenhando do princípio constitucional que atribui ao povo o exercício do Poder.
O conhecimento da pluralidade dos sentidos da palavra “poder” esclarece. No artigo 1º, o sentido é de “autoridade, mando”. No artigo 2º, o significado é de “alçada, função, jurisdição”.
Ou seja: a criação das leis é da alçada do Legislativo, a administração do país é função do Executivo, enquanto ao Judiciário cabe a aplicação da lei, ou a faculdade de dizer o Direito aplicável. Mas, tais exercícios são outorgados pelo povo “nos termos da Constituição”.
Em outras palavras: Legislativo, Executivo e Judiciária exercem funções delegadas pelo povo. Nada mais do que isso.
Nenhum artigo da Constituição assegura garantias especiais para quem exerce funções legislativas, executivas e judiciárias. Ela só as estabelece para o povo, no artigo 5º.
Nenhuma pessoa investida em cargos públicos encarna a soberania. A soberania está nas funções exercidas por delegação do povo e não na pessoa que as exerce.
Ao ser alvo de ofensas ou atacado de coceira satírica pelos malfeitos no exercício no cargo, o presidente da república, o senador, o deputado, o juiz, são simplesmente pessoas e não seres superiores, imunes à crítica.
Sendo pessoas, num regime em que todos são iguais perante a lei, eles não podem invocar privilégios que os distingam da plebe.
Ninguém dilui sua personalidade na Instituição onde presta serviços. Só viaja com ela nas costas quem quer mostrar ao mundo, em Roma, Lisboa, seja onde for, uma sabedoria que não possui.